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Inflação e Criptomoedas: Debate Antigo com Impactos Permanentes

Publicado 06.02.2019, 11:06
Atualizado 02.09.2020, 03:05

Minha primeira discussão sobre criptomoedas foi com meu orientador de mestrado. Ele, investidor early adopter e bem próximo da escola austríaca de economia; eu, adepto de investimentos mais convencionais usando estratégias baseadas em risco político e economia novo institucional. O teor da conversa foi objetivo: concordávamos sobre o Bitcoin ser seguro criptograficamente e isso traz capacidade do criptoativo ser reserva de valor, porém eu acreditava que não possuía atributos necessários para estabelecer um padrão monetário, meu professor acha que não há como garantir isso.

Recentemente, esse meu primeiro debate retornou para minha vida ao ler “The Bitcoin Standard”, de Saifedean Ammous. O autor, que defende a capacidade monetária do Bitcoin, faz uma defesa apaixonada do Padrão Ouro. Esse padrão, que vigorou -- juntamente a outros metais -- por séculos no Ocidente e em potências orientais, traz a moeda lastreada em algo físico. Por exemplo, sob o padrão ouro, poderíamos trocar real por uma quantidade de ouro fixada por lei. Hoje em dia isso não é possível, nosso câmbio flutua e é garantido pela imposição estatal e confiança de que o governo não irá emitir dinheiro para pagar gastos passados de maneira descontrolada.

Ammous argumenta que não é sensato dar essa confiança ao governo, afinal um padrão físico (ou digitalmente escasso, como as criptomoedas) é independente da política e não é manipulável por atores estatais. Segundo Ammous, o governo teria interesse em manipular moeda tanto por (que o autor, de maneira grosseira com o pensamento econômico contemporâneo, associa ao “keynesianismo”) quanto pelas capacidades de se financiar via emissão de moeda via dívida. No Brasil, corremos o risco de uma crise de dívida se não passarmos a reforma da previdência; nos EUA, analistas também verificaram um padrão preocupante nos gastos do governo Trump. Nesses contextos, tirar a política monetária das mãos dos governos é, segundo os economistas da Escola Austríaca, uma boa medida.

Não pretendo me estender no debate entre escolas macroeconômicas posto que minha formação é muito mais voltada para a microeconomia aplicada, mas a própria existência desse debate em aberto atingindo muito o Bitcoin é, de certa maneira, preocupante. Diversos economistas de diferentes escolas defendem que a política monetária seja independente do governo. De formulações normativas como “o banco central deve ser sempre conservador em relação à inflação e seguir uma regra explícita” a “taxa de crescimento de oferta monetária deve ser fixada e independente do governo”, todos os economistas considerados “liberais” prescrevem essa independência, mas nem todos apoiam uma moeda deflacionária. Por que essa questão?

A deflação é uma questão difícil. Ammous argumenta que ela não é danosa porque o mundo cresceu fortemente sob o padrão ouro entre 1870 e 1914; atualmente, ao mesmo tempo que também cresceu, teve inúmeras crises monetárias desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Não houve grandes mudanças no crescimento, mas o governo passou a ter inflação e fenômenos monetários de alto risco por decisões políticas. Há implicações normativas: impressão de moeda foi usada para socorrer empresas privadas (bancos) em 2008, com forte “injeção de liquidez” nos mercados. Já outros pesquisadores argumentam que a questão de Ammous é uma falsa correlação: o abandono do padrão ouro permitiu a diversos países saírem mais rapidamente das crises do entreguerras (recomendo para essa perspectiva ler “Golden Fetters: The Gold Standard and the Great Depression” de Barry Eichengreen). De acordo com essa visão, anteriormente houve uma expansão significativa da oferta de ouro com novas minas sendo descobertas em terras inexploradas, portanto o ouro não teria sido deflacionário. Havia também políticas dos governos a respeito de diminuir o valor da própria moeda em termos de ouro, conforme Ammous documenta.

Esse imbróglio não significa que inflação é boa ou deflação ruim no que diz respeito a uma reserva de valor. Por exemplo, a criptomoeda ZCash revelou ontem que sofria de mais um “inflation bug”, capaz de aumentar sua oferta monetária de maneira não-detectável. Esse problema teria sido resolvido sem ser explorado por algum hacker. Entretanto, se for crença coletiva que houve inflação, é esperado que o preço do criptoativo caia. Isso seria algo similar a um split de uma ação, por exemplo, porém sem ajuste para os antigos investidores. Quando houve problema similar no Bitcoin, a questão foi facilmente corrigida. O que torna a questão preocupante para o ZCash e, futuramente, para quase todas as outras moedas?

Há uma propriedade do dinheiro físico chamado fungibilidade. Vamos supor que um homem casado quer gastar seu dinheiro com presentes para uma relação extraconjugal. Ele vai, leva dinheiro físico e gasta num colar sem que sua esposa saiba. O que impede ele de dizer que “meu bônus foi menor nesse mês” e a esposa jamais saber? A fungibilidade do dinheiro físico é essa capacidade. Na blockchain do Bitcoin e todas as outras moedas que não são privacy coins, não é possível fazer isso posto que a estrutura tecnológica documenta todas as transações. Numa moeda privativa, como o ZCash, não há como saber de onde saiu ou de onde chegou o dinheiro numa carteira. Se o dinheiro chegou via um hack, as possibilidades para determinar se houve a falha são reduzidas e, normalmente, invasivas para todos os players que acreditam naquela tecnologia. Parte considerável das criptomoedas não-anônimas -- Bitcoin, Bitcoin Satoshi Vision, Litecoin, entre outros -- testa ou revelou interesse em usar essas tecnologias, tendo, portanto, esse risco.

Há também um problema: de um lado, a deflação em tese favorece os criptoativos deflacionários como reserva de valor frente aos inflacionários. E se Ammous estiver errado e a ortodoxia econômica certa? Deflação ser um problema social e as moedas nunca virarem padrões sociais por isso? Como investidor, isso não me interessa muito: reservas de valor são interessantes em si. Dessa maneira, a privacidade usada para tornar as moedas mais atrativas como meio de pagamento trazem malefícios ao arriscar a inflação, mas sem necessariamente garantir a adoção.

De uma perspectiva moral, porém, privacidade financeira é essencial num mundo cada vez sujeito a vigilantismo de governos, com NSAs nos EUA e sistemas piores na China. As criptomoedas são tocadas por uma comunidade de influência libertária, o cypherpunk. O Bitcoin foi inspirado pela ideia de resistir a influências consideradas indevidas no sistema financeiro. Naturalmente, isso influenciará as escolhas dos times de desenvolvimento. Dessa forma, agora é importante estar ciente do risco macroeconômico das tecnologias de privacidades que tocarão as moedas, seja por debate econômico em aberto, seja por questões culturais.

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