É Possível Mudar o Passado dos Seus Lucros? E o Futuro?

 | 23.07.2019 13:41

Nós quatro sabemos a resposta objetiva para a pergunta-título deste texto. Imagino que por unanimidade e aclamação. Em termos concretos, o que aconteceu no passado está dado e não pode ser mudado.

Agora, o passado pode ser reinterpretado. Isso faz toda a diferença. As finanças comportamentais trouxeram luz à questão no chamado “hindsight bias”, ou viés de retrospectiva. Voltamos a acontecimentos pretéritos dando a eles uma narrativa crível e absoluta, construída apenas em nossa cabeça, sendo que o verdadeiro resultado do curso histórico se deu apenas pela ocorrência de uma reunião de forças aleatórias, cujo resultado final poderia ter sido bem diferente. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.

Outros estudos em neurociência vêm mostrando que, a cada vez em que acessamos a nossa memória para contar um caso antigo, sem nos dar conta, trazemos à tona uma história marginalmente diferente da anterior (a memória não é um baú de armazenamento perfeito e estático). E essas pequenas mudanças vão se distanciando cada vez mais do original.

Por mais que a realidade passada não possa ser alterada concretamente, ela muda dentro de você. Em grande medida, a psicanálise se pauta na possibilidade de revisitarmos neuroses, erros e traumas antigos, dar-lhes uma nova versão e seguir em frente. Como podemos caminhar mesmo diante das cicatrizes impressas em nossas almas, compondo uma melhor convivência com os outros e com a gente mesmo?

Na ocasião da interpretação de sua peça “As Moscas”, na zona francesa da Alemanha, Jean-Paul Sartre trouxe uma resposta interessante quando perguntado como os alemães poderiam seguir em frente depois da tragédia do Holocausto: “Para os alemães, também, penso que o remorso não faz sentido. Não digo que devam simplesmente varrer da memória os erros do passado. Não. Mas tenho certeza de que não ganharão o perdão que o mundo lhes pode dar apenas mostrando um arrependimento obsequioso. Irão ganhá-lo com o engajamento total e sincero num futuro de liberdade e trabalho, com o firme desejo de construir esse futuro e com a presença do maior número possível de homens de boa vontade entre eles. Talvez a peça possa, se não levá-los a esse futuro, ao menos encorajá-los nessa direção”.

A história do “financial deepening”, cirurgicamente cunhada por André Esteves e aqui já explicada algumas vezes, está acontecendo neste momento. Não é uma hipótese ou uma elucubração sobre um futuro distante. Ela está aqui, bem na nossa frente. E mesmo os fenômenos históricos mais marcantes não recebem a devida atenção quando estão sendo vividos. Eu quase posso tocá-la com as mãos.

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A cada dia, recebo perguntas sobre pessoas que gostariam de investir melhor. São pessoas comuns, profissionais liberais, ou mesmo financistas. Todos dispostos a aplicar melhor seu dinheiro, mas céticos quanto à possibilidade de serem melhor do que no passado. Alguns estão inercialmente parados na poupança e se acham velhos demais para mudar. Outros se queimaram com a Bolsa no passado e se sentem como cachorros picados por cobra, agora com medo de linguiça. Um terceiro grupo gere fundos que atravessaram crises pesadas no trágico ciclo 2010-15, queimados com a fase destruidora para as small caps e se encontram neste momento com grande dificuldade de captação, estando completamente abaixo do radar dos alocadores ou das plataformas de investimento.

Penso que esse apego ao passado não faz sentido. A exemplo de Sartre, não digo que devam simplesmente varrer da memória os erros do passado. Mas que aprendam com eles e busquem um futuro mais profícuo. Acertando a rota e traçando um sólido plano para frente. A melhor coisa a se fazer sobre seu passado é usá-lo para construir um futuro melhor, sem os mesmos erros de antes. Escrevo em favor do engajamento total e sincero num futuro de lucros e gestão responsável do portfólio. Talvez a newsletter possa, se não levá-lo a esse futuro, ao menos encorajá-lo nessa direção.

Talvez este Day One lhe soe um pouco diferente do habitual. Possivelmente, tem como origem a prateleira de Finanças & Economia das livrarias e destino a estante de Autoajuda. Se assim for, tudo bem. Dou de ombros. Às favas com os rótulos.

Meu ponto é: o primeiro passo para investir melhor é acreditar na sua capacidade de investir melhor.

Corrijo. Deixe-me dar um passo atrás. Existe o passo número zero. Atraídas pelos recordes da Bolsa e dos fundos imobiliários e pela grande apreciação recente dos títulos de renda fixa, muitas pessoas têm procurado o mercado financeiro como forma de quitar suas dívidas e/ou equilibrar seus orçamentos. Isso é um erro. Antes de investir, você precisa poupar. Você se acerta primeiro, fazendo suas despesas serem menores do que sua renda e, depois, vai para a Bolsa. A ordem importa aqui.

Pode lhe parecer algo trivial, mas já rendeu profundo debate acadêmico. Na verdade, rende até hoje. Nas contas nacionais, poupança é sempre igual a investimento. Essa é uma questão estritamente contábil e, portanto, inconteste. Mas o que vem antes? Talvez seja apenas uma questão do ovo e da galinha, meio o sexo dos anjos. Sei lá. O problema é que, a depender da resposta, há desdobramentos de prescrição de política econômica. Knut Wicksell, em seus processos cumulativos, estava do lado daqueles que achavam que poupança vinha primeiro e depois poderíamos investir. Ele estabeleceu uma importante disputa intelectual com Keynes, para quem o investimento precisaria vir primeiro. Seria o investimento a gerar renda e produção, supostamente, portanto, necessário para poder se poupar. Entre outras coisas, isso pauta a defesa keynesiana pelo aumento do gasto público para suavizar os momentos ruins dos ciclos econômicos.

Para mim, não importa muito quem tem razão. O mercado financeiro é diferente da macroeconomia. Se você investe sem ter poupado, poderá ter de sacar o dinheiro para cobrir suas dívidas. E esse pode ser o exato momento em que seu investimento está atravessando um período ruim. Aconteceu exatamente assim lá em casa e posso lhe dizer: não foi nada legal.

Feito o passo zero, ou seja, em que você se equilibrou nas contas mensais e depois foi para a Bolsa, podemos então ir para o que realmente interessa hoje: adotar uma mudança de mindset.

Carol Dweck, no já clássico “Mindset — A nova psicologia do sucesso”, marca a diferença entre um mindset fixo e um de crescimento. Em várias situações, o que marca o sucesso é justamente a adoção de um mindset de crescimento, de se acreditar em características mutáveis. Se você quer ser melhor, comece hoje mesmo a achar que pode ser melhor.

Deixe-me perguntar uma coisa. Você desenha bem? Da minha parte, sou péssimo desenhista. Talvez o pior do mundo. Mas e você? Se for ruim como eu, acredita que poderia melhorar seus desenhos?

A maior parte das pessoas costuma acreditar que a aptidão artística é algo inato, não construído. Agora, por favor, veja a imagem abaixo: