A Crise Já Passou? Estamos Vivenciando um Crescimento Sustentável ou uma Bolha?

 | 24.07.2020 08:57

*Carlos Heitor Campani, Ph.D.

No ápice da crise, em meados de março, lembro-me bem de ter feito uma live sobre investimentos e estratégias possíveis naquele momento, especificamente com ações. O pessimismo se mostrava claramente presente nas feições dos participantes. Fiz então uma enquete perguntando quando o Ibovespa retornaria aos cem mil pontos e a resposta foi bastante pessimista. Apenas 10% das pessoas acreditavam que voltaria até o final de 2020, com a maioria assinalando em 2021, e 30% apostando no pior cenário: extensão do isolamento e retomada aos 6 dígitos apenas em 2022.

No fechamento do pregão da última quarta-feira, o Ibovespa fechou acima dos 104 mil pontos. Em outras palavras, até eu fui comedido na opção mais otimista que coloquei na enquete, perguntando se atingiria tal patamar no final deste ano. E já não apenas alcançou, como passou! E estamos em julho ainda. Trata-se, convenhamos, de uma recuperação que apenas os muito otimistas previam. E o que soa contraditório é notar que as principais premissas dos mais pessimistas (os 30%) se revelam muito mais acertadas: o isolamento iria perdurar por bastante tempo e uma vacina eficaz não viria em 2020.

A junção dos cenários vislumbrados pelos mais pessimistas com o profundo descolamento da economia real (aquela que enxergamos ao nosso lado) levanta uma questão importante que remete ao título da coluna de hoje: seria esta retomada da bolsa sustentável e fruto de boas expectativas para a economia brasileira? Ou estaríamos vivenciando uma enorme bolha?

Neste momento, preciso dividir com vocês que sou um otimista inconfundível. Eu sempre vejo o lado meio cheio, acreditando que vai dar certo! Afinal, além de professor e consultor, também sou empresário. No Brasil, ser empresário tem como condição fundamental ser otimista, justamente porque você começa contra tudo e contra todos! Deixo isso bem claro para que eu não seja mal interpretado como alguém que deseja que o Brasil dê errado e que as pessoas percam dinheiro na bolsa. Aliás, muito longe disso. Acredito demais em nosso país, no nosso povo. E não gosto de ver as pessoas perdendo dinheiro, isso me entristece.

Mas, então, por que eu escrevi este texto? Por um único motivo: para levantar uma discussão e fazer cada um buscar a sua própria reflexão. Se após esta análise, você se sentir confortável com um caminho, seja ele qual for, siga-o de acordo com seus princípios enquanto investidor. Pretendo evitar um dos vieses mais comuns do investidor: o otimismo exagerado. A sequência de altas da bolsa nos meses passados e mesmo nos dias recentes pode acender a heurística do “não tem como dar errado”, o que levaria o investidor a seguir comprando e aumentando suas posições. Se o crescimento for sustentável, tudo bem. Mas se for uma bolha, o investidor precisa ser precavido e gerenciar o risco da sua carteira: lembremos que a bolha cresce de maneira insustentável até estourar, colapsando.

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A reflexão que levanto é, mais precisamente, procurar entender os fatores que vêm fazendo o Ibovespa se recuperar tão fortemente. Claro que após toda crise, vem a bonança. Mas o contraponto é que ainda não saímos totalmente da crise. Ainda há incertezas de quando a vacina chegará e se haverá uma segunda onda do vírus em nosso país. E, o que talvez seja muito pior, ainda estamos calculando o verdadeiro impacto do Covid-19 na economia real, pois este é faseado. Eu não sei você por aí, mas eu por aqui, ao meu redor, estou vendo muitas famílias sofrendo com a perda do emprego, postos de trabalho encerrados porque a empresa migrou substancialmente para o online e, para piorar, inúmeras empresas de pequeno e médio porte quebrando. Esta conta ainda não dá para ser feita de maneira precisa.

Tenho conversado com muitos gestores e investidores que também estão buscando esta mesma reflexão. O que explica essa alta continuada? Alguns constroem teses coerentes, mas muitos não encontram respostas nos fundamentos. E isso é a chave para a análise. Vamos a esta discussão.

Com a taxa Selic em patamares extremamente baixos (rendendo menos que 2% ao ano após IR), muitos investidores se viram obrigados a procurar investimentos de risco. E as ações surgem como candidatos naturais. Além disso, o número de blogueiros, youtubers, instagrammers etc que “conhecem tudo desse mercado e dão dicas valiosíssimas sobre como transformar mil em um milhão de reais” é enorme, estimulando muitas pessoas a investirem na bolsa, mesmo muitas vezes sem o conhecimento adequado. Em interessante reportagem da Exame no início desta semana, vários números instigantes são apresentados. Por exemplo, mais de 20 empresas já têm mais de 100 mil investidores individuais. Outro número que me impressionou decorre desta parte da reportagem:

“No ano passado, para cada 100 reais aplicados em fundos de investimento em ações, havia outros 8,5 reais destinados para compras diretas na bolsa... Neste ano, essa proporção está absurdamente maior: a cada 100 reais aportados em um fundo de ações, outros 75 são investidos diretamente pelos pequenos aplicadores por meio de corretoras.”

Isso quer dizer que se trata de uma bolha? Não necessariamente, claro. Entretanto, este investidor, já amplamente estudado pelas Ciências Comportamentais, tende a ser absolutamente volátil, de modo que em um movimento de queda brusca, ele tende a retirar seus investimentos do risco. Se, com o tempo, os fundamentos não conseguirem explicar o nível atual da bolsa e, se houver alguma fagulha de notícias negativas, pode haver uma ampla fuga da bolsa, explodindo a tal bolha. Isto pois a simples demanda por ações pela entrada de centenas de milhares de novos investidores não pode ser a sustentação, por si, dos preços atuais.

Por outro lado, existe a tese de que o Brasil ainda é um país achatado e que está prestes a decolar. E, ainda de acordo com esta tese, o ponto central do parágrafo anterior apenas fortaleceria o argumento de que o crescimento da bolsa é sustentável, tendo em vista que sua razão não é esta grande demanda, mas sim os fundamentos. Pelo contrário, esta grande demanda seria a consequência dos bons fundamentos e das boas expectativas adiante. Esta é a tese na qual os compradores acreditam.

Em suma e de forma simplificada, podemos nos resumir a analisar se a maior demanda por ações é a causa ou a consequência, tal como a velha questão do ovo e da galinha (quem veio primeiro?). Ou, lembrando da minha infância: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”

Se for a causa, por si só, ouso dizer que as condições para a bolha estão postas, bastaria uma fagulha. Mas se for a consequência de ótimos fundamentos, que venham os 120 mil pontos.

Em qual lado estou? Isso não importa, não tenho o objetivo nesta coluna de ser opinativo. Estou aqui apenas para levantar a bola e ajudá-lo a refletir sobre o que é realmente relevante na hora de decidir aumentar ou reduzir sua exposição na bolsa. Todos os bons investidores que conheço fazem este tipo de análise enquanto há tempo. Sugiro que você faça o mesmo.

Forte abraço a todos.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência privada e pública e finanças pessoais e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.

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