A Turquia É Só um Artifício. Brasil Tem Enormes Problemas que Passam a Ter Foco

 | 16.08.2018 11:32

Sobejamente sabido que “abalos” oriundos de conflitos comerciais e geopolíticos podem afetar o humor em torno dos países emergentes, mas é verdade também, que há inúmeras diferenças entre estes países.

Vulnerabilidades diferem a capacidade de resistência destes países ante momentos adversos, e este é um aspecto relevante que deve ser observado com acurácia.

O Brasil tem um déficit em conta corrente de 0,7%, inflação projetada em torno de 4,2%, reservas cambiais da ordem de US$ 380,0 Bi, mecanismos operacionais que disponibilizam proteção cambial aos investidores estrangeiros e aos passivos brasileiros em moeda estrangeira e, mais, liquidez ao mercado de câmbio a vista, ancorando, se e quando necessário, movimentos efetivos de saídas de capitais do Brasil.

Então, porque deveríamos repercutir ou atribuir movimentos mais tensos nos segmentos câmbio-ações-juros internos ao problema da Turquia, um emergente com contexto econômico financeiro bastante díspar em relação ao Brasil e com baixíssimo relacionamento comercial com nosso mercado.

Receios de contágio por sermos emergentes? Ou busca de pano de fundo nos conduzindo a uma auto vitimização para justificar movimentos atípicos no nosso mercado financeiro decorrentes das tensões absolutamente internas, fundadas no clima político adverso as expectativas do mercado financeiro e até de parte do setor produtivo, e nas incertezas que assolam a nossa economia conduzindo-a a estagnação e as preocupações crescentes em torno da nossa crise fiscal?

O que nos preocupa mais, o enfrentamento Estados Unidos e Turquia, ou manifestações de candidatos presidenciáveis argumentando contra o teto de gastos, numa clara evidência de não compromisso com as reformas absolutamente necessárias? Ou as pesquisas que indicam que os favoráveis a esta postura estão na ponta?

Enfim, no caso brasileiro a preocupação central e que pode determinar o agravamento do quadro é a crise fiscal, que está sendo tolerada neste momento por investidores e pelas agências de rating até que se tenha perspectiva mais evidente sobre a sucessão presidencial.

Então, o nosso “inferno” está aqui mesmo e não naquilo que permeia o embate turco-americano.

É perceptível que o Brasil ainda não teve movimento de “sell off” na Bovespa por parte dos estrangeiros, e que os que deixaram esta aplicação variável migrando para a renda fixa, não tenham promovido relevante saída do país pelo fato do Brasil ter-lhes proporcionado proteção cambial ampla, ancorada na segurança que as nossas reservas cambiais sancionam, por terem a convicção, fato que vimos salientando desde muito, que o país não tem risco de crise cambial.

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Isto lhes permite “aguardar”, tanto quanto as agências de risco, uma melhor visão/percepção sobre a tendência sucessória, mas a postura defensiva que vimos salientando revela-se pela expressividade das posições compradas em moeda americana em derivativos como proteção do capital aqui investido.

Um quadro acentuadamente desfavorável no quadro sucessório presidencial brasileiro, certamente, determinará a mudança de atitude em relação ao comportamento dos mesmos no mercado acionário e de renda fixa, impulsionando realização e saída dos recursos do país, mitigando assim o risco de redução de ganhos, sem risco de perdas cambiais.

Surpreende-nos que somente agora a mídia especializada, que tanto enfatiza a questão turca-americana, tenha aguçado à percepção da contundente posição comprada pelos estrangeiros que foi em grande parte constituída quando o BC exacerbadamente realizou oferta massiva de “swaps cambiais” e que ensejou no final do mês de julho embate em torno da taxa cambial entre comprados e vendidos, estes predominantemente nacionais.

Esta é uma relevante diferença entre o Brasil e demais emergentes, estamos numa situação caótica fiscal e com uma dinâmica da atividade econômica lamentável, mas não temos risco de crise cambial.

Esta “tranquilidade” dos investidores estrangeiros devidamente protegidos de variação cambial se revela quando observamos o comportamento do fluxo cambial.

Os dados divulgado ontem pelo BC, compilados até o dia 10, indicam fluxo positivo no mês de US$ 351,0 m, sendo oportuno observar que o fluxo financeiro já está negativo em US$ 1,581 Bi mas foi ancorado pelo fluxo comercial positivo de US$ 1,933 Bi.

Os bancos têm, com base nos dados, posições compradas em dólares de US$ 4,910 Bi e mais linhas tomadas de financiamento em moeda estrangeira com recompra do BC de US$ 2,150 Bi, o que representa um “colchão” em posse dos agentes do mercado de câmbio de US$ 7,0 Bi, o que torna absolutamente desnecessária a intervenção do BC, já que a demanda existente de proteção cambial sinaliza também estar atendida.

As oscilações no preço da moeda americana no nosso mercado não decorrem dos fluxos e demandas próprias do movimento do próprio mercado, mas de fatores imponderáveis decorrentes de fatores tensionais internos que alteram a perspectiva para pior, ou melhor, no contexto eleitoral.

Agora as campanhas poderão estar “nas ruas” e ao final do mês nas rádios e tvs, os debates se acentuarão, assim como as pesquisas.

Os “radares” estarão mais focados e o ambiente do mercado financeiro, por que não do país, estarão mais atrelados às perspectivas de curto médio prazo, e estas é que definirão as atitudes, que, contudo, deverão ser bastante cautelares.

Evidente, como não somos uma ilha, que haja algum reflexo do contexto externo no Brasil, mas é relevante considerá-los de forma bastante sensata, atentando para o fato de que há problemas e imbróglios impactantes no Brasil para que o ambiente esteja tenso e cause volatilidade, que vem sendo “acobertada” pela questão turca.

O dólar está bem fundamentado e sustentável no preço no entorno de R$ 3,80, podendo sofrer pressões mais psicológicas do que por demanda com as perturbações diárias em torno do ambiente sucessório presidencial. Mas nada que o eleve acima de R$ 4,00, salvo se ocorrer algo absolutamente fora do contexto e inimaginável.

Sidnei Nehme

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