Cristiane Fensterseifer | 31.03.2023 14:50
Alguma regra é melhor que nenhuma regra e é bem provável que a curva de juros ceda com a redução da incerteza fiscal, melhorando os mercados.
Antes mesmo do início da apresentação, o dólar caia e as ações brasileiras subiam.
Isso tende a se manter se o arcabouço for aprovado e o mercado decidir acreditar na sua execução.
Caso tenhamos sucesso na implementação, podemos ter redução da taxa de juros antecipada e maior, levando a alta nas ações e ativos de risco.
No dia da volta do Bolsonaro após longa temporada nos EUA (em avião pintado de Harry Potter), o novo governo apresentou o que, para mim, pode ser o maior divisor de águas do mandato:
Se aprovado pelo Congresso, o novo arcabouço vai substituir o teto de gastos, que já estava muito esburacado, uma vez que desde 2017 foi furado em praticamente todos os anos de sua existência.
O novo arcabouço fiscal, que mostra o compromisso fiscal do governo petista e pauta as decisões de juros do Banco Central.
Vamos as novidades apresentadas!
O novo arcabouço opera com uma banda de resultado primário (diferença da arrecadação e gasto sem considerar juros da dívida) entre 0,6% a 2,5% ao ano, conforme a imagem
O cenário base, a linha grossa no gráfico, é de déficit zero em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026.
No cenário base, temos uma possivel trajetória de dívida/PIBestável entre 2023 e 2026, em 75% do PIB, como mostra o gráfico abaixo, já considerando uma queda nos juros.
O NOVO ARCABOUÇO LIMITA O CRESCIMENTO DAS DESPESAS A 70% DE ALTA DAS RECEITAS.
As despesas e gastos públicos cresceriam, assim, em percentual menor que as receitas.
Ele substitui o teto dos gastos, que atrelava o crescimento das despesas do governo à inflação;
O novo arcabouço permite gastar mais se o país crescer mais, portanto.
Importante notar que os gastos com saúde e educação, podem crescer 100% da receita corrente liquida segundo a Constituição (o arcabouço é lei complementar e não muda a CF).
Se despesas de saúde e educação crescem 100% da receita, outros gastos tem que crescer menos para atingir os 70%.
Em caso de descumprimento da meta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no ano seguinte o percentual de gastos cairia de 70% para 50% da receita e depois para 30%.
Um resultado primário acima do teto da banda permitiria usar o excedente em investimentos.
Aliás, há um piso para investimentos no arcabouço, em torno de R$75 bilhões, corrigido pela inflação.
Isso é para evitar que os ajustes sejam feitos cortando investimentos públicos, que é considerado o pior corte de gastos em termos estratégicos para o país e algo que sofreu muito com o Teto dos gastos.
Isso gera crescimento dos investimentos em relação a despesa, como mostrado no gráfico.
A regra também basearia o cálculo do crescimento da despesa na arrecadação real do ano anterior para evitar aquele ímpeto de superestimar receitas para poder gastar mais.
Do jeito que está, mais arrecadação aumenta os gastos...
Como ficaria em um momento de crise, onde a arrecadação caísse, mas os gastos tivessem que ser aumentados para compensar a fraqueza na economia?
O movimento anticíclico é bandeira do PT (quem lembra da marolinha em 2008?) e isso não está claro.
Os cenários do novo arcabouço parecem otimistas uma vez que a estimativa é que o governo feche 2023 com déficit na casa dos RS 100 bilhões.
Além disso, nestes cenários não temos trajetória de queda da dívida pública/PIB.
Para reduzir a dívida/PIB precisaríamos um superavit primário maior, um esforço quase que impensável no cenário e governo atual.
Faltou uma meta de endividamento, com o argumento de que a dívida tem variáveis não controladas pelo governo e com isso o arcabouço deixa espaço para a expansão da dívida/PIB.
Também não ficou claro o tratamento das receitas extraordinárias, aquelas que não se repetem, para cálculo das despesas do ano seguinte.
O projeto menciona trava no aumento de gastos desenfreado em caso de alta expansão na arrecadação, mas isso não ficou bem claro como ocorrerá.
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