Como Bater o Mercado Sem Ter Razão

 | 22.01.2019 10:44

“Senhor, sabes melhor do que eu que estou envelhecendo
e que, mais dia, menos dia, farei parte dos velhos.
Guarda-me daquela mania fatal de acreditar que
é meu dever dizer algo a respeito de tudo
e em qualquer ocasião.”

Oração dos Velhos

Se um extraterrestre com algum conhecimento em finanças lesse as notícias da manhã de ontem e tentasse antever o comportamento dos mercados brasileiros na véspera, provavelmente apontaria para uma segunda-feira difícil.

Só se falava no escândalo da família Bolsonaro e o clima nas Bolsas estrangeiras era ruim diante de preocupações renovadas com a guerra comercial entre EUA e China. As coisas pareciam mesmo ir para o vermelho na abertura dos negócios. Ao final do dia, porém, o saldo negativo foi apagado. Ibovespa e dólar fecharam perto do zero a zero, enquanto o Ibovespa Futuro, inclusive, virou para o positivo.

Se o mesmo extraterrestre fosse treinado em psicopatologias, talvez nos classificasse como um mercado com alexitimia, sofrendo de marcante dificuldade de perceber, descrever e demonstrar emoções, sentimentos e sensações – “A” (prefixo ligado à negação) + “léksis” (palavra) + “timia” (emoção).

Penso diferente, talvez ainda sob a influência da noite de sábado no Sesc Pompeia: “O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo…”.

Mercados fortes ou parados diante de notícias ruins caracterizam uma boa notícia. São sinal de força compradora e foco em questões estruturais, com capacidade de separar o que é ruído (perturbações aleatórias inábeis para desviar-nos da tendência principal) do que é sinal.

No geral, as condições internacionais melhoraram para os mercados emergentes frente ao observado no fim de 2018, e o escândalo com o filho do presidente, ao menos por ora, não afeta a probabilidade de aprovação das reformas fiscais e estruturantes no Congresso brasileiro.

Isso posto, estão colocadas as condições para a continuidade, a extensão e a aceleração da atividade econômica brasileira, com desdobramentos óbvios para os lucros corporativos – e quando os lucros corporativos sobem, as ações sobem na esteira. Não se trata de hipótese, opinião ou adaptação tropicalista ao clássico de Warren Buffett (“If the business does well, the stock eventually follows”), mas de uma constatação empírica: o maior driver para o comportamento das ações no médio e no longo prazo é o desempenho dos lucros.

Abaixe o App
Junte-se aos milhões de investidores que usam o app do Investing.com para ficar por dentro do mercado financeiro mundial!
Baixar Agora

E quem vai liderar o movimento? Permita-me uma rápida digressão antes de atacar a perguntar de forma direta.

Você sabe quantas vezes a palavra “eficiência” aparece na Constituição de 1988? Duas vezes.

E quantas vezes, na mesma carta, está citado o vocábulo “produtividade”? Uma vez.

Ao mesmo tempo, a Constituição nos brinda com a palavra “direitos” na módica quantidade de 74 vezes! Há 74 direitos do cidadão (que obviamente representam obrigações do Estado) contra apenas cinco deveres.

Há um total desequilíbrio. Sob a premissa de que passaremos por um longo ciclo de expansão (e eu acredito que passaremos), necessariamente precisaremos endereçar o descompasso da percepção entre direitos e deveres do Estado, abrindo espaço para o setor privado atacar problemas de produtividade e eficiência.

Quais seriam os ganhadores desse processo? Ora, por construção, empresas com aderência direta à produtividade e à eficiência da economia doméstica, dentre as quais destacaria aquelas com exposição à infraestrutura local, ao desenvolvimento do mercado de crédito em suas mais variadas instâncias (em especial à democratização e à evolução fora do oligopolizado setor financeiro tradicional) e à retomada do consumo após muito represamento nos últimos anos por conta da destruição da era Dilma.

Na minha cabeça, isso se liga de maneira mais expressiva agora ao nicho das small caps. São elas as realmente capazes de capturar na veia a volta da economia local, com espaço para verdadeira multiplicação. Aqui, por conta de uma mera aplicação algébrica: se Itaú (SA:ITUB4) ou Ambev (SA:ABEV3) passarem por uma verdadeira multiplicação, elas passam a representar 150 por cento do PIB, o que é impossibilidade lógica.

Primeiro ponto: os lucros dessas companhias foram simplesmente dizimados na crise recente. Aquelas empresas que conseguiram sobreviver são verdadeiras heroínas. Fizeram a lição de casa, estão enxutas em suas estruturas de custos e despesas, diminuíram a alavancagem e, agora, com a retomada da economia, poderão voltar a níveis mais fortes de receita, que vão se traduzir em enorme alavancagem operacional, incremento de margens e explosão dos lucros – de novo: se os lucros sobem, as ações sobem. Mais uma vez, não perca de vista uma imposição matemática: se a margem de lucro passa de 1 para 2 por cento, isso implica que o lucro da companhia dobrou; isso é bem diferente de passar de uma margem de 10 para 11 por cento. O fato de os lucros, principalmente das small caps, estarem tão deprimidos é um reforço a seu alto potencial de valorização.

Segunda questão: uma questão de finanças corporativas, outra imposição algébrica. O valor de uma firma qualquer (doravante chamado EV, de Enterprise Value) é dado pela soma de seu valor de mercado (E, de Equity) com a dívida líquida (D, de dívida líquida). Por conta da destruição em massa ditada pela Nova Matriz Econômica de Dilma e companhia, as small caps, no geral, claro, estão agora com uma baixa representação do Equity no valor da firma – a dívida ocupa uma parcela muito grande.

Para entender o argumento, suponha uma empresa cujo EV é dado por 10 por cento Equity e 90 por cento Dívida Líquida. Se as condições àquela companhia melhoraram e entende-se que seu valor da firma precisa aumentar 10 por cento (veja que isso é razoavelmente pouco, sem qualquer exagero), o novo EV será 110 por cento do original, certo? É mera construção. Para isso, dado que a Dívida Líquida está dada (90), seu Equity precisa sair de 10 para 20 (assim, 90 + 20 = 110) – ou seja, o mercado dobrou.

Resumo da história: a alta alavancagem financeira, vista em boa parte das small caps agora, se traduz em enorme potencial de valorização para as ações em momentos de melhora das condições sistêmicas e/ou idiossincráticas.

Isso, entre outras coisas, ajuda a explicar por que ações de empresas ruins andam muito bem, inclusive por vezes liderando movimentos, em bull markets (mercados em tendência de alta). É o famoso rali do lixo. Lembre que George Soros sempre compra a melhor e a pior ação de um setor quando antevê um ciclo favorável.

Terceiro elemento em favor das small caps: elas estão simplesmente largadas. Ninguém tem isso. Gringo não tem Brasil no geral. E institucional local nem olha pra isso. Os grandes não podem comprar por restrição de liquidez e pelo fato de que qualquer posição a ser montada vai impactar pouco no resultado final (se a Verde, a Adam ou a SPX resolver comprar uma small cap, o cara pode tomar 120 por cento do market cap e, se a ação dobrar, aquilo ainda vai representar quase nada no fim do dia para o resultado consolidado do fundo. Não vale o tempo do analista estudar o case). Para completar, os fundos dedicados às small caps praticamente acabaram – foram massacrados pelo último bear market (em tendência de queda – se as coisas oferecem lindo prognóstico na hora boa, vale o contrário no momento ruim) e agora ninguém quer mais saber disso. Resultado: essa classe de ativos está “underowned” (subpenetrada) e muitíssimo barata. Pode ser a grande porrada dos próximos anos. Talvez possa ser cedo agora, mas, sinceramente, não dá para fazer timing nesse negócio. Ninguém sabe quando a chave vai virar. Se está muito barato e tem boas perspectivas, compre.

O corolário prático do argumento apontaria para indicação de compra para SMAL11. E isso vale, sim. Mas há uma nuance. Repare na composição do ETF: