Consórcios valem a pena?

 | 28.03.2024 06:00

Olá, pessoal. É muito comum as pessoas me perguntarem a respeito de consórcios, se valem a pena ou não. Há os defensores ferrenhos. Há os críticos ferrenhos. Pretendo então fazer uma análise ponderada e definitiva sobre o assunto para que você tome a sua melhor decisão. Afinal de contas, devo fazer um consórcio ou não? Focarei no consórcio para pessoas que desejam comprar um carro próprio ou mesmo um imóvel próprio. Existem outros, até para empresários, e muito da análise que farei aqui permanecerá válida, mas neste caso há outros ingredientes que precisariam ser analisados em um texto à parte.

Minha análise será neutra e sem os vieses naturais de muitos. Por um lado, vendedores de consórcios apontarão apenas argumentos “maravilhosos” para defender a venda: encaro isso com naturalidade, faz parte. Por outro lado, influencers digitais com conteúdo em educação financeira e investimentos sempre elegem os consórcios como algo a riscar da sua agenda: eles têm suas razões, mas não fazem uma análise crítica que pondere os dois “lados da moeda” e ainda tiram os consórcios do seu real contexto. É preciso entender que um consórcio não é puramente um investimento. É fato que muitas pessoas adquiriram seus carros e casas próprias através deles e é improvável que sejam “bobas e tenham sido enganadas” por isso.

Porém, antes de seguir ao ponto, preciso dizer algo com todas as letras: jamais aceite o argumento de que um consórcio não tem juros! Claro que tem, mas sob a forma de taxa de administração (que normalmente fica em torno de 20%, ou seja, tudo que você paga para acumular o “valor da carta” não recebe nenhum juro e ainda paga 20% a mais para o administrador). Sei que alguns dirão “mas em consórcios, juros são proibidos por lei”, mas nem sempre a lei segue o conceito correto de Finanças. No fluxo de caixa que o consórcio oferece, será sim possível calcular um juro embutido (ou seja, implícito sob a forma de taxa de administração). Adiante neste artigo, darei argumentos a favor e contra consórcios, mas definitivamente este argumento de que não há juros é incorreto e até soa desrespeitoso com quem estudou Finanças corretamente.

Para entender bem o conceito por detrás de um consórcio, começo com um exemplo ilustrativo. Imagine que João e José são dois irmãos que conseguirão poupar R$ 50 mil cada ao final de cada um dos dois próximos anos. Ambos desejam um carro de R$ 100 mil reais. Eles podem comprar hoje seus carros, mas terão de pagar juros em um financiamento porque não possuem o dinheiro à vista. Como não querem pagar juros, pois os consideram muito altos, os irmãos ponderam que podem esperar, acumular e comprar à vista (sem juros).

Mas eles vão além disso e fazem um acordo. Ao final de um ano, jogarão cara-e-coroa: o perdedor pagará os R$ 50 mil poupados ao vencedor, que somará com os seus R$ 50 mil e poderá comprar o carro de R$ 100 mil à vista. Ao final do segundo ano, será a vez de quem havia vencido no cara-e-coroa passar seus R$ 50 mil acumulados ao irmão para que este consiga comprar o seu carro à vista. Observe que o jogo é justo, na medida em que não oferece vantagem a nenhum deles em relação ao outro. Perceba que retirei o efeito inflacionário para tornar o exemplo mais didático, porém em nada altera o argumento (consórcios têm seus valores anualmente atualizados pela inflação).

Note que João e José não querem pagar juros ao financiar seus respectivos veículos e, portanto, estão dispostos a renunciar ao carro próprio por algum tempo. Dessa forma, a opção natural seria poupar por dois anos e comprar o carro ao final deste período. O lado bom disso seria acumular juros (porque o dinheiro que você poupar ficará investido em sua conta) e sobrar um troco para acessórios legais. Mas não existe almoço grátis: a contrapartida dessa opção é ter de esperar por dois anos para ter o veículo.

O acordo entre eles é uma opção diferente das duas anteriores (financiar e comprar hoje; poupar e comprar em dois anos). Note que um dos irmãos conseguirá comprar o carro em um ano, pois o outro irmão o ajudará: para ele, o acordo terá sido ótimo, pois não precisará esperar dois anos para ter o carro e ainda não pagará juros como em um financiamento. Para o irmão que perde o cara-e-coroa, o acordo acaba saindo ruim, pois terá de esperar pelos mesmos dois anos, porém seu dinheiro não ficará investido (pois será dado ao irmão para a compra do carro deste) e, portanto, não lhe renderá juros, de forma que não poderá comprar acessório algum.

O acordo feito entre os irmãos é o que, em teoria dos jogos, chamamos de “jogo de soma zero”. Um jogo de soma zero é qualquer jogo entre mais de um participante no qual não há geração de riqueza e os ganhos dos que saem vitoriosos nascem das perdas dos que saem perdedores. Não existe mistério: para um ganhar, alguém precisa perder em um jogo de soma zero.

A ideia do acordo entre os irmãos é a ideia central por detrás de um consórcio. Obviamente, em um consórcio de automóvel (e, principalmente, de imóvel), o número de participantes é bem maior e há alguns ingredientes adicionais: a possibilidade de lances e seguros de vida embutidos, por exemplo. Mas é importante ressaltar que esses ingredientes adicionais não refutam a ideia central de um jogo de soma zero, já que continua sendo uma espécie de competição entre os participantes: quem consegue “tirar o carro” antes sai vencedor, ao passo que aqueles que tiram o carro ao final saem perdedores (sob o aspecto financeiro).

Mas, neste momento, precisamos incluir a figura de quem vende e organiza o consórcio: a instituição financeira. Sem essa figura, me arrisco a dizer que os consórcios não existiriam. A instituição financeira é responsável por organizar, formar o grupo e administrar o consórcio. Tudo isso gera custos que precisam ser divididos pelos participantes. Mas não é apenas isso: a instituição financeira também precisa assumir o risco de as pessoas não honrarem seus compromissos junto ao grupo. Esse risco, quando se trata de um grupo de muitas pessoas que não se conhecem, é relevante. Imagine se João desconfiasse que José não honraria sua palavra no acordo entre eles: é provável que o acordo não fosse firmado.

Por conta de todos esses custos, a instituição financeira cobra uma taxa de administração (como disse, hoje da ordem de 20%) e se reflete em parte da sua prestação remunerar a instituição e, portanto, não entrar na sua reserva de consórcio. Esta taxa pode ser interpretada, no final das contas, como uma taxa de juros implícita. Da mesma forma que em um empréstimo, com juros explícitos, a instituição credora também tem custos para administrar sua carteira de devedores.

Concluímos que, na verdade, um consórcio acaba sendo um jogo de soma negativa para os participantes, pois a instituição financeira precisa ser recompensada pelos seus custos e riscos. Mas isso não significa dizer que todos os participantes sairão perdendo, mas sim que será mais difícil sair vencedor nesse jogo. Agora, a soma de todas as perdas supera a soma de todos os ganhos. Sairão vencedores aqueles que forem contemplados no início do prazo do consórcio, enquanto sairão perdedores aqueles que forem contemplados do meio para o final. Agora que já entendemos a dinâmica de um consórcio, concluirei a análise.

PARA QUAL PERFIL UM CONSÓRCIO PODE VALER A PENA?/h2

Um consórcio tem uma questão comportamental importante: muitos encaram cada parcela como uma despesa e, como tal, há prioridade absoluta em não atrasar. Com isso, para aquelas pessoas cujo perfil psicológico se revela uma barreira para investir com rigor e disciplina, o consórcio se apresenta como uma espécie de “investimento forçado” e, portanto, tendo um resultado positivo: elas acabam poupando no consórcio o que não conseguiriam poupar normalmente. Adicionalmente, o consórcio também atrai pessoas que gostam de apostas e sorteios: essas pessoas sentem-se motivadas pelos sorteios e pela possibilidade de “vencer com um lance mais alto” ao tentarem ser contemplados logo no início.

PARA QUAL PERFIL UM CONSÓRCIO NÃO VALE (BVMF:VALE3) A PENA?/h2

Para pessoas disciplinadas financeiramente e que não se encaixam nos perfis acima, o consórcio não vale a pena. Sob a perspectiva de um investimento, a expectativa de retorno é negativa: uns sairão ganhando, mas, em média, perde-se. Para investidores mais racionais e com menos barreiras psicológicas ao investimento disciplinado, não vale a pena participar de um jogo no qual eles são obrigados a pagar, por exemplo, pelo risco de algum participante não honrar o seu pagamento. Para este tipo de perfil, o ideal é poupar e investir para adquirir o seu carro ou o seu imóvel. Sairá mais barato. É a cultura do “querer, investir e ter” que tanto admiro em contraposição à cultura do “querer, ter e financiar”!

E você, em qual perfil está? Espero ter conseguido explicar a dinâmica de um consórcio e se ele é bom ou não para você. De forma definitiva. Para quem quiser me encontrar nas redes sociais, estou no Linkedln e no instagram @carlosheitorcampani. Também tenho meu canal no Youtube e no Spotify (NYSE:SPOT), com conteúdo importante e diferenciado para sua educação financeira.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.

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