Cratera de Chicxulub

 | 03.06.2020 11:44

Começam a surgir formulações mais construtivas sobre a pandemia e o funcionamento concomitante das economias, potencialmente capazes de, se concretizadas, constituir fundamentos estruturais mais positivos para os ativos de risco além da mera expansão monetária e fiscal, tipicamente mais associadas a certo artificialismo.

Há uma corrente na comunidade científica, ainda minoritária, argumentando em favor de uma mutação do vírus, que teria o tornado mais fraco e menos letal. Outra vertente, cuja representatividade vem crescendo, sugere uma maior taxa de imunização da sociedade do que o oficialmente medido e reportado. Isso viria das pessoas com atividade viral baixa e sintomas leves.

Em paralelo, países que estão em processos de reabertura têm o feito com algum sucesso, com as pessoas voltando, aos poucos, suas vidas ao normal, sem, ao menos até o momento, uma segunda onda importante de contágio — Itália e Espanha talvez sejam os exemplos mais emblemáticos, além, claro, da Alemanha, que fez um trabalho formidável desde o princípio.

Para reforçar, a China tem observado uma clara recuperação em V de sua economia, ainda que os paralelos com o Ocidente sempre sejam particularmente problemáticos e ainda que confiar na China seja quase um salto de fé.

Essa soma de imunização mais alta, sinais de possível convivência com a pandemia pós-lockdown ou quarentena, associados ao prognóstico de uma vacina em 2021, têm alimentado um ambiente mais favorável a negócios e aos mercados. O dinheiro tem fluído do dólar e dos EUA em busca de yield e de mais crescimento nas periferias, num movimento claríssimo de dash to trash — uma outra forma de descrever um modo “risk on”, de forma mais exacerbada.

Assim, vai se construindo uma interpretação de que a crise de 2020 teria um caráter mais parecido a um “desastre natural”. Ocorre um grande choque inesperado, quase literalmente um abalo sísmico, que, depois de acontecido, permite a volta da vida ao normal. Não haveria, segundo essa interpretação, algo mais perene e estrutural da mudança. Destruição súbita, com recuperação rápida, sem maiores consequências de longo prazo, a tal V-shaped recovery.

Essa dinâmica tem guiado os mercados nas últimas duas semanas e, na ausência de fatos novos — o que costuma ser uma premissa bastante restritiva, mas paciência —, parece querer prosseguir nos próximos dias. O fluxo comprador e otimista, sem encontrar vendedor marginal relevante, flerta com escalada adicional de ativos de maior risco, em especial daqueles que ficaram excessivamente descontados na crise.

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Diante do cenário, temos, com cautela e responsabilidade, aumentado o risco da Carteira Empiricus nos últimos dias. Adicionamos as ações da Stone no lugar daquelas da XP dando-lhes maior peso frente à exposição anterior, recompusemos o short (posição vendida) em PRIO3 (SA:PRIO3) e migramos 5 pontos percentuais da posição em dólar puro para comprar ações de empresas americanas. Desse modo, incrementamos em 6,5 pontos percentuais a posição em ações do Carteira. De ontem para hoje, fizemos uma nova adição de ação ao portfólio, no setor de saneamento (talvez o mais descontado da Bolsa junto aos bancos, com um catalisador claríssimo na cara do gol), de mais 1,5 ponto, totalizando, portanto, 8 pontos percentuais. Estamos na diligência final para novos incrementos, possivelmente ainda nesta semana. Ressalva importante: nada será feito sem desrespeitar a imperiosa necessidade de proteção e preservação patrimonial. O momento ainda exige isso e não nos permitiremos jamais assumir riscos além dos razoáveis, adentrando euforias momentâneas de fluxo, cujos resultados de médio e longo prazo são tipicamente conhecidos. Estamos comprando empresas sólidas, com resultados bem previsíveis e resilientes, a valuations descontados. Nada além disso. Rigor e profundidade de análise sempre.

Reconhecida a melhora, ao menos na margem, dos fundamentos frente à completa falta de visibilidade de semanas atrás, em particular quando consideramos a expansão monetária sem precedentes observada nesta crise, algumas questões relevantes continuam sem respostas.

Pergunto (a mim mesmo, mas também aos universitários): qual desastre natural na História nos logrou tamanho retrocesso nos PIBs globais e uma taxa de desemprego de 20% da população americana? Qual evento semelhante trouxe esse nível de aumento do endividamento para os países, com consequências, claro, sobre a produtividade e sobre as gerações futuras? Nossos filhos e netos, talvez nós mesmos, arcaremos com mais impostos — pode não ser agora, mas me parece quase inescapável uma elevação da CSLL em 2021 (imagino que para algo em torno de 30%) e possível tributação de dividendos (ações e FIIs). Se um terço das empresas americanas já não conseguia gerar caixa para pagar seus serviços da dívida antes da pandemia, depois da famigerada ajuda do Fed, qual deve ser o percentual atual? Para o caso brasileiro, como ficam os comentários sobre uma potencialmente tranquila segunda onda se nem saímos da primeira? E mais: 100% de dívida/PIB será facilmente contornado? O case de estatais blindadas de indicações políticas continua? E, por fim, de forma mais grosseira, qual desastre natural se abateu sobre o mundo todo?

Depois de muito refletir, acho que voltei uns 66 milhões de anos (pois é, os evento raros são… raros), tendo tomado um avião (mentalmente, claro, mas ainda assim devidamente vestido com a minha máscara) para a Península de Iucatã, em direção à cratera de Chicxulub, que teria se constituído a partir do impacto de um meteoro, resultando na extinção de uma gama ampla de animais, incluindo os dinossauros. Acho que seria o único desastre natural com algum paralelismo pertinente, assumindo, claro, que os dinossauros também se organizassem por meio de um mercado de trabalho formal.

Dois gráficos que ainda precisamos reconciliar nesta história toda, se há, de fato, uma semelhança desta crise com um desastre natural e ainda existe atratividade nos valuations de ativos de risco.

Esta é a projeção de “vida normal” pós-covid: