Downside Risk e Upside Risk: o Risco Ruim Mal Calculado e o Risco Bom Ignorado

 | 15.05.2020 10:49

Na coluna da semana passada , abordei o conceito de risco e como este aparece equivocadamente na principal métrica de risco utilizada no mercado: o desvio-padrão. Esta métrica mistura o risco ruim e indesejável da perda (downside risk) com o risco bom e desejável de ganhos acima do esperado (upside risk). A mesma crítica, aliás, vale para outra medida importante de risco: o beta. Entretanto, por clareza de exposição, permitam-me agora focar no desvio-padrão.

Sim, o ponto é que o desvio-padrão tradicional não é, conceitualmente, uma boa medida de risco. Além disso, o desvio-padrão é tradicionalmente calculado em relação à média e esta não é necessariamente a referência de satisfação para o investidor (pelo menos na prática). Esses erros são naturalmente propagados para uma das medidas de performance mais tradicionais: o índice Sharpe. O índice Sortino corrige esses equívocos, com o cálculo apenas do downside risk em relação a uma taxa de retorno que define a satisfação do investidor: retornos acima desta taxa trarão satisfação, enquanto retornos abaixo desta referência trarão insatisfação ao investidor. Lembro que no seu denominador, devemos considerar como zero todos os desvios acima da referência. Isto implica dizer que o índice Sortino não conversa diretamente com o índice Sharpe. Em outras palavras, mesmo considerando-se uma distribuição simétrica de retornos e a referência do Sortino sendo o retorno médio, se o Sharpe for 1, o índice Sortino será 1,4 (1 multiplicado por 2). Poucas pessoas se atentam para isso e já vi, inúmeras vezes, o denominador do Sortino ser calculado como se fosse o Sharpe.

Mas qual valor faz mais sentido: 1 ou 1,4? Uma vez mais, o índice Sortino. Isto porque o risco ruim precisa ser ponderado pela sua probabilidade de ocorrência (o risco de perder R$ 10.000 com 1% de chance é bem diferente do mesmo risco com 50% de chance). Como neste caso a probabilidade é 50% (1/2) pela hipótese de simetria, o resultado é um índice Sortino igual ao índice Sharpe multiplicado por 2 (lembremos que o ajuste na volatilidade se dá pela raiz quadrada, pois a probabilidade é linear na variância). Esta ponderação altera a interpretação do índice Sortino em relação ao Sharpe, mas se faz necessária para contemplar corretamente o risco em distribuições assimétricas.

Desta forma, Sortino corrige problemas fundamentais do Sharpe. Mas e o risco bom, não deveria ser recompensado? Naturalmente, penso que sim. Você já parou para pensar o que explica o sucesso da mega-sena? Ali temos um caso no qual todas as métricas usuais falham: a expectativa não somente é de perda como esta é muitíssimo provável. O que explica então o seu sucesso? Resposta fácil: a chance, mesmo que remota, de se tornar milionário da noite para o dia, ou seja, o upside risk. Isso mostra que expectativa e penalização do risco ruim (ou seja, o índice Sortino) falhariam ao explicar o sucesso do jogo: as pessoas valorizam o risco bom e isso precisa ser considerado nas métricas de performance.

Claro que argumentos comportamentais poderiam ser utilizados para explicar o sucesso da mega-sena, mas isso é justamente o que estou fazendo, nas entrelinhas: busco uma métrica que se adeque à realidade, ou seja, que incorpore o lado comportamental com racionalidade. Em particular, já é bem documentado na literatura o perfil comportamental de investidores, que procuram e valorizam o upside risk, mas se protegem, tanto quanto possível, do downside risk. Com isso, idealizei o índice Campani para propor uma métrica de performance como a razão entre a expectativa de upside dividida pela expectativa de downside, ambas expectativas em relação a uma referência de satisfação e ponderadas pelas probabilidades de ocorrência (de upside e de downside, respectivamente):