Dólar, Juros e Grandes Poderes

 | 10.12.2014 21:03

Por que subirem os juros, se novos dólares nem chegaram ao consumo, ao empreendedorismo ou ao crédito privado?

Minha atenção ultimamente está voltada para a renda fixa nos EUA. Não deve ser surpresa alguma, afinal, faz apenas algumas semanas que vimos o fim do Quantitative Easing 3. Terminou assim mais um longo período de impressão de dólares e interferência do FED nos mercados financeiros.

Tenho lido e ouvido muitos comentários feitos não só no Brasil como lá fora a cerca de uma possível elevação dos juros norte-americanos já em 2015. Aí é bom separarmos as coisas. Existe toda uma gama de juros que se diferenciam conforme os prazos (curtos ou longos) da dívida.

Os membros do FOMC (Federal Open Market Committee) se reúnem oito vezes por ano e deliberam sobre a taxa de juros alvo dos Fed Funds (Federal Funds). Essa taxa é apenas uma meta que orienta os empréstimos overnight entre bancos. As instituições financeiras são obrigadas a manter uma determinada parte dos seus depósitos recolhidos como reserva de capital junto ao Banco Central. Os bancos que possuem reservas a mais emprestam o excedente ao fim do dia para outras instituições com saldo insuficiente no Banco Central. Esses empréstimos são rotineiros, de curtíssimo prazo e não envolvem garantias. Como o nome já sugere, o mercado overnight lida com transações de um dia para o outro. Mas, evidentemente, essas taxas são anualizadas. Como os empréstimos são de curtíssima duração, e assim de menor risco, esses seriam os juros básicos (mais baixos) da economia! Mesmo assim, os juros no overnight apresentam oscilações em torno da meta estabelecida pelo FOMC. A média ponderada das taxas de todas as transações é a taxa efetiva dos FedFunds. Com uma taxa mais cara, os bancos são desencorajados a tomar empréstimos no overnight, e isso tem reflexos não só para os bancos como para a economia toda.

Mas o mercado de renda fixa envolve muito mais do que essas taxas overnight. Existem debêntures, por exemplo, que são papéis de dívida de médio ou longo prazo não envolvendo garantias, fiando-se na reputação da empresa emissora, usadas para tomar dinheiro emprestado a uma taxa de juros fixa. Os instrumentos de renda fixa tidos como mais seguros são geralmente títulos da dívida pública dos países. De certa forma é irônico que governos formados por políticos muitas vezes irresponsáveis consigam tomar dinheiro emprestado mais barato (pagando juros menores) do que muitas empresas de gestão mais responsável, mas o raciocínio é que países não vão à falência e desaparecem. Dentre os títulos de dívida pública de diversos países, os dos EUA costumam gozar de ótima reputação internacional em termos de segurança e qualidade (não rentabilidade). Além de oferecerem maior liquidez, pelo próprio vulto da dívida pública e da economia norte-americana.

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Esses títulos de dívida pública são emitidos pelo Tesouro Nacional com diferentes datas de maturidade. Nos EUA, as T-Bills ou Treasury Bills são títulos de curto prazo, com vencimento até um ano. Treasury Notes têm vencimentos acima de um ano até 10 anos. E os Treasury Bonds são os de prazo superior a 10 anos. Assim como há diferenças no prazo de vencimento desses instrumentos de renda fixa, também há evidentemente discrepâncias entre a rentabilidade que eles oferecem. Empréstimos de curto prazo envolvem menos incógnitas e, por isso, oferecem menor rentabilidade (juros menores). Por outro lado, emprestar seu dinheiro por vários anos envolve mais incerteza e maior risco. Títulos de longo prazo geralmente só atraem investidores oferecendo uma melhor rentabilidade (juros maiores).

Talvez o FOMC realmente tente uma pequena elevação na taxa dos Fed Funds, atualmente na faixa de 0 a 0,25% ao ano (taxa efetiva de 0,09% a.a. em novembro de 2014). Mas seria apenas um blefe numa tentativa de sondar a reação dos mercados. Não parece haver fundamentos que sustentem uma alta progressiva dos juros. Mesmo se ocorrer, esse movimento não seria muito relevante para a renda fixa de maior prazo. O próprio mercado já está diminuindo esse spread, atuando na parte longa da curva. Sempre que o FED finaliza um QE, os juros longos caem, mostrando a demanda das instituições e investidores por esses títulos. Normalmente a parte longa da curva de juros é bem mais alta que a curta. Quando os juros longos caem em relação aos curtos, isso sinaliza maior incerteza sobre a economia. Os investidores se mostram receptivos a juros longos mais baixos diante de uma expectativa de declínio econômico. Note abaixo a tendência já observada desde janeiro de 2014.