Faz Sentido Minerar Bitcoins no Brasil?

 | 20.04.2021 09:45

Depois de alguns artigos falando sobre mineração de Bitcoins e afirmando que a tese faz sentido, surgiram várias dúvidas sobre a viabilidade de uma operação dessas no Brasil.

Essa dúvida é antiga e, sempre que temos um período de alta do Bitcoin e de outras criptomoedas, voltam as especulações sobre investir em mineração no Brasil, seja minerando Bitcoins com ASICs ou seja minerando altcoins com GPU (placas de vídeo).

Para o leitor que não tem ideia de como funciona a mineração de Bitcoins, vou fazer uma breve explicação abaixo.

Como o Bitcoin é produzido?/h2

O modo mais simples para entender isso é partindo da premissa de que o Bitcoin é uma commodity digital. A partir dai, podemos entender que as “produtoras” destas commodities são as mineradoras, que atuam como prestadoras de serviço de processamento de transações para a rede do Bitcoin. A recompensa desse serviço são taxas de transação somadas ao direito de emitir novos Bitcoins.

Ao entender como a lógica se aplica ao Bitcoin, fica fácil de estender aos demais criptoativos, já que o que vai mudar é basicamente a estrutura de hardware e data center.

No caso do Bitcoin, a cada bloco de 10 minutos são emitidos 6.25 novos Bitcoins na rede. Essa recompensa é reduzida pela metade a cada 4 anos, fazendo com que o limite de cerca de 21 milhões de Bitcoins se dê somente por volta da década de 2140.

Considerando que a oferta se torna cada vez mais escassa e a demanda crescente, temos um dos principais drivers de alta de preço para o Bitcoin. O aumento de preço faz com que cada vez tenhamos mais mineradores na rede, já que mesmo gerando menos Bitcoins, em dólares a atividade ainda é muito lucrativa.

Como a rede do Bitcoin é descentralizada, em tese qualquer indivíduo pode colocar um computador para ser o “servidor” dessa rede e receber recompensas. Em tese, já que quanto maior o tamanho da rede, maior é a competição entre os participantes deste sistema e, portanto, mais capital é necessário para manter-se competitivo.

Como o principal insumo desta indústria é energia elétrica, para serem lucrativos os mineradores precisam estar próximos de fontes abundantes e baratas de energia. Distribuídos globalmente, uma pesquisa realizada pela CoinShares Research demostrou que 74.1% da energia utilizada na rede vem de fontes renováveis (usinas hidrelétricas, solares e eólicas).

É aqui que entra um dos principais entraves, ao meu ver, de exercer essa atividade no Brasil.

O grande consumo de energia/h2

Para entender o tamanho da rede do Bitcoin em processamento, atualmente os 160 EH/s seriam equivalentes a se cada um dos 7 bilhões de seres humanos tivessem cerca de 2000un da última versão do Macbook Pro da Apple (NASDAQ:AAPL) (SA:AAPL34) usados exclusivamente para processar a rede do Bitcoin. 

Com tanto processamento, é inegável que o consumo energético desta rede do Bitcoin seja enorme.

Um estudo da Universidade de Cambrigde estima o consumo energético atual da rede do Bitcoin seja de aproximadamente 16 GW, equivalente ao consumo energético do Estado de São Paulo.

Custo de Energia/h2

No Brasil, grandes consumidores têm acesso ao mercado livre de energia, com preços diferenciados e teoricamente acessíveis para a indústria. Para se ter acesso a esse tipo de negociação, é necessário um grande consumo energético e, geralmente, contratos longos de fornecimento.

O preço aproximado por MW no mercado livre brasileiro é de aproximadamente R$ 170 por MW, equivalente a US$ 30 por MW considerando a cotação do dólar de R$ 5,50.

A título de comparação, hoje as operações de mineração que temos investido nos EUA possuem um custo por MW de US$ 15.3, cerca de metade do custo brasileiro.

Em escala residencial, a conta fica ainda mais distante. O custo médio residencial no Brasil é de cerca de R$ 700 por MW, a depender da região e da política de bandeiras.

Dado ao tamanho usual de uma operação de mineração em escala industrial, ter acesso ao mercado livre de energia não seria um problema, mas ainda assim existem alternativas com energia mais barata fora do país, levando o problema para uma questão de custo de oportunidade: se você pode fazer em um local mais barato, por que escolheria um mais caro?

Importação de equipamentos e insumos/h2

Não bastasse só a questão energética, a importação da infraestrutura e equipamentos no Brasil é um tanto mais complexa e onerosa em comparação a outros países. 

Com uma alta incidência de impostos e um longo processo de desembaraço alfandegário, realizar a atividade em escala industrial no Brasil requer o uso de uma série de artifícios legais para amenizar esses custos.

Em escala residencial é ainda pior, já que o investidor terá acesso aos equipamentos no preço de varejo, muitas vezes com bitributação, como no caso de algumas placas de vídeo (GPUs) e outros componentes usados para a mineração de altcoins.

Considerando esses dois pontos, energia e importação, não me parece fazer sentido, sob a ótica de custo de oportunidade, investir em operações desse tipo no Brasil.

Classificação de atividade/h2

Um outro ponto, que é um pouco mais complexo, mas ainda assim acho importante destacar é que oficialmente ainda não existe, sob a ótica de legislação tributária brasileira, uma definição clara de como classificar a atividade de mineração realizada no Brasil. 

Esse ponto é o mais discutível, afinal poderíamos fazer um levantamento dos custos empregados na realização da atividade a partir daí realizar a apuração dos resultados, mas ainda assim, na minha visão é um grande “SE”.

Já imaginou se o entendimento for de que Bitcoins são de fato commodities e, portanto, mercadorias e houver a incidência de ICMS sobre a atividade?

Comentei que esse é o ponto mais discutível, já que diferentes especialistas podem ter diferentes opiniões e entendimentos. O fato é que essa insegurança tributária também contribui, a meu ver, para a inviabilidade de exercer essa atividade no país.

Alternativas/h2

Apesar dos pontos levantados, existem algumas alternativas que eventualmente tornariam viáveis operações deste tipo no Brasil.

Atualmente uma tese que vem ganhando adoção é do uso de mineração para balanceamento de carga de operações geradoras de energia. Nesse exemplo, o mining funcionaria como uma espécie de “bateria” da rede, operando em momentos de excedente de geração e otimizando a estrutura existente.

Temos alguns projetos para este uso nos EUA e os números são promissores, já que usando a atividade off-grid, a geradora consegue maximizar a receita por MW produzido sem comprometer os contratos e operação existente e, muitas vezes sem demandar grandes investimentos em capex além dos equipamentos de mineração.

Estamos em fase de testes para otimização de operações hidroelétricas e em estudo para otimização de operações de geração de energia solar e eólica. Até agora os dados são muito interessantes e demonstram um potencial de aumento de receita em cerca de 35.4% em um cenário moderado para o Bitcoin e de 14.7% em um cenário de Bear Market.