Implicações Fiscais da Alta dos Preços Globais do Petróleo

 | 16.03.2022 17:35

O Brasil é um grande produtor de petróleo, produzindo 2,9 milhões de barris por dia, ou 170 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (Mtpe) em 2020. Isso representa apenas 3% da produção mundial, mas é mais do que é consumido no Brasil. Em 2020, por exemplo, o consumo de petróleo e seus derivados produzidos no Brasil ou importados foram de apenas 129 Mtpe, significando que exportamos liquidamente perto de 25% da nossa produção (a exportação bruta é maior, mas importamos derivados). Essa dinâmica deve se fortalecer nos próximos anos.

A nossa autossuficiência em petróleo e até disponibilidade de sobras para exportação não escaparam à atenção dos investidores nacionais e estrangeiros e são fatores que estão ajudando a manter o real forte nesse momento, apesar de toda a turbulência nos mercados financeiros mundiais.

Dada a situação confortável em relação à produção do petróleo, qual seria a melhor reação do governo à alta mundial dos preços desse produto? É a clássica pergunta para quem tem um ativo e se sente mais rico quando seu preço sobe, mas tem que ter cuidado para que essa situação não leve a decisões distorcidas.

Especificamente, quanto do aumento do preço do petróleo poderia não ser repassado para o diesel, gasolina e GLP?

Os dois principais aspectos a serem considerados nesse caso são (1) quais os impactos na produção nacional e bem-estar da população que o repasse para esses produtos pode trazer, e (2) quais recursos o governo teria para bancar uma suavização do repasse para o preço de alguns desses produtos.

Em relação ao primeiro aspecto, deve-se avaliar a importância relativa de se diminuir o impacto direto do repasse sobre a inflação versus o impacto indireto, ou de “segunda rodada”. Também merecem atenção as consequências sobre o bem-estar da população, especialmente daquela de menor renda.

De maneira muito simplificada, a boa prática é focar na suavização do preço do diesel, apesar desse item ter baixa participação no IPCA, e do GLP, pelo seu impacto no custo de alimentação, principalmente das famílias mais pobres. Como o diesel é essencial para o transporte — inclusive de passageiros nas cidades — qualquer aumento do seu preço rapidamente se difunde para o resto da economia, afetando a inflação de muitos itens, o que torna mais difícil a ação do Banco Central para garantir a estabilidade de preços.

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Suavizar as flutuações do preço do GLP tem mérito porque protege as famílias de baixa renda, pode ser feito com facilidade e transparência através do uso de um “vale gás” direcionado, e custa pouco, dependendo do critério de renda adotado.

Evitar aumentos da gasolina não é tão adequado, apesar desses aumentos afetarem com força o bolso da classe média e o IPCA. Há formas de as pessoas ajustarem sua cesta de consumo e o impacto na política monetária é relativamente menor. Além disso, o custo fiscal de segurar o preço da gasolina é alto, e para o pobre o fundamental é o transporte público, que ainda depende do diesel.

Aceito o interesse de se tentar suavizar o impacto do aumento do preço do petróleo no preço do diesel e no orçamento das famílias de baixa renda que usam o GLP, é preciso responder se o governo dispõe dos recursos para fazer essa política.

Para endereçar esse segundo aspecto da discussão, é necessário avaliar quanto o governo consegue capturar da receita adicional que os que produzem petróleo no Brasil irão auferir quando o preço da commodity sobe.

A boa notícia é que o governo brasileiro, tanto na instância federal quanto subnacional, consegue capturar uma proporção significativa dessas receitas adicionais. Ou seja, o governo dispõe de instrumentos fiscais ou de gestão eficazes para aproveitar a grande produção de petróleo no Brasil e proteger a população e a economia em um momento de volatilidade, sem ter que interferir no funcionamento da Petrobrás ou congelar preços.

A tabela a seguir mostra que para cada Real de receita adicional que as empresas produtoras de petróleo ganham com o aumento do preço do petróleo, o governo federal captura 37 centavos, que pode usar para amortizar o impacto daquele aumento na economia. Esse cálculo considera que os impostos indiretos, pagos pelos consumidores, já estão com valor fixo por unidade do produto, e os custos das empresas se mantém fixos, já que a quantidade de petróleo produzida e processada é suposta constante.

Tabela 1. Proporção da Variação da Receita de Produção de Petróleo Capturada pelo Governo Central