Mercado financeiro, o caso Americanas e o Efeito Americanah

 | 13.02.2023 20:09

Em 16 de janeiro, escrevi neste mesmo espaço:

“Diante de um choque exógeno inesperado, muitos ativos caem de maneira igual, sem muita distinção. A diferenciação ocorre no pós-pânico. (…) Num primeiro momento, as coisas caminham muito em função do “beta”, ou seja, conforme a sensibilidade do ativo às condições sistêmicas, desconsiderando suas características idiossincráticas. O micro fica atrás do macro. Num segundo momento, entram as virtudes e os defeitos individuais.”

Embriagados com o (legítimo) temor sobre a política fiscal brasileira e vislumbrando uma possível crise de crédito, batemos numa cortina de fumaça capaz de dificultar a devida diferenciação entre as companhias. O diabo estará sempre nos detalhes. Uma pequena nuance pode representar símbolos e performances bem distintas. “Americanas" virou termo maculado, talvez para sempre – sinônimo de coisa ruim, fraude contábil e, ainda pior, medo de desdobramentos sistêmicos. Seu quase homônimo “Americanah" continua representando um deleite literário, rico em emoções e lições de vida.

O texto de janeiro alertava para o risco de nos perdermos em argumentos macro e incorrermos numa postura niilista de “não há o que se comprar na Bolsa brasileira." 

Passado cerca de um mês, a sugestão prospectiva ganha contornos concretos. O setor bancário talvez seja o exemplo mais contundente. 

Enquanto Bradesco (BVMF:BBDC4) e Santander (BVMF:SANB11) apresentaram resultados trimestrais assustadores, patinando em ROEs baixos, lutando contra inadimplência em alta, sofrendo no nicho de seguros e, para o caso do primeiro, com EBT negativo, Itaú (BVMF:ITUB4) deu um show. O “banco de engenheiro” mostrou que há vida além de Americanas (BVMF:AMER3). Calibrou bem o crescimento da carteira, sem grandes soluços no crédito, colheu frutos de sua modernização e maior digitalização e controle de custos e despesas. “Itaú sendo Itaú”. Hoje, negocia a 1,6x seu valor patrimonial e a 7x lucros. Pode não ser um espetáculo em termos de upside, mas compõe bem um portfólio num momento que requer capacidade de se defender dos juros altos, balanço forte, marca reconhecida e afins. Em momentos de crise, o dinheiro flui para os donos do capital. Cá estamos. 

Hoje à noite, sai Banco do Brasil (BVMF:BBAS3) e também esperamos resultados bastante positivos. Problema aqui é se você topa ou não o risco de estatais federais – eu até encaro as estaduais, como Sabesp (BVMF:SBSP3), mas vejo o risco de uma deterioração rápida dos lucros no caso do uso dessas empresas para se fazer política pública. Como ninguém sabe direito medir o risco disso, prefiro observar de fora. O barato sempre pode ficar ainda mais barato. 

Amanhã sai Nubank (BVMF:NUBR33) e, considerando o nicho de atuação semelhante ao de Bradesco, a perspectiva não é muito auspiciosa. Ação do banco pegou carona na recente alta da Nasdaq. Turma até mistura joio e trigo, até que os resultados trimestrais mostrem quem é quem. Entendemos que o valuation de Nubank não condiz com sua realidade objetiva.

Ainda entre os bancos, acaba de sair os números trimestrais do BTG (BVMF:BPAC11). Obviamente, estou conflitado no assunto. Mas, sob uma análise fria, você enxerga um ROE de 20,8% mesmo com o evento Americanas, acima do soft guidance de 20% e em nível muito saudável. O banco teria feito 22,1% de ROE sem o impacto extraordinário, o que é formidável e não muito alinhado aos patamares atuais de valuation, abaixo de 2x valor patrimonial. Diversificação importante de receitas e tese alinhada à visão de “all weather stock”. É evidente que sofre com menor atividade de ECM (emissão de ações), mas tem conseguido compensar isso com robustez de DCM (emissão de dívida) e M&A (fusões e aquisições). Asset management, consumer banking e carteira crédito crescendo em ritmo forte, enquanto sales & trading roda com receita superior a R$ 1 bi por trimestre. Ok, sales & trading comanda múltiplo mais baixo, porque é visto como não recorrente. Respeito o contraponto, mas vale dizer que este não-recorrente tem se repetido todo trimestre e, mais do que isso, vai dando fôlego até a janela de IPOs reabrir. Num ambiente de juros mais baixos e menor incerteza fiscal (quem sabe depois da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal), poderia voltar a negociar mais perto de 3x valor patrimonial, algo próximo a R$ 33 por unit — é mais de 50% para subir.

Saindo dos bancos, outros exemplos relevantes:

I. Varejo de moda: quem trabalha com muito crédito e tem exposição às faixas de renda mais baixa potencialmente enfrentará resultados bastante desafiadores. Renner (BVMF:LREN3) é boa e barata, mas o Realize impõe risco não-desprezível. Marisa está em sérias dificuldades, já tendo contratado o BR Partners (BVMF:BRBI11) para reestruturar dívida (enquanto uns choram, outros vendem lenços). Guararapes (BVMF:GUAR3) também deve enfrentar resultados adversos. Enquanto isso, Arezzo (BVMF:ARZZ3), Track & Field (BVMF:TFCO4) e Vivara (BVMF:VIVA3) caminham para mais bons trimestres à frente.

II. Locação de veículos: Localiza (BVMF:RENT3) nada de braçada, enquanto Movida (BVMF:MOVI3) colhe os frutos nada doces de opções erradas feitas no passado, como excesso de alavancagem do controlador e renovação inadequada de frota. Resultados de Movida no dia 6 de março caminham para ser mais um reforço à tese de Localiza. Poucas vezes pudemos comprar uma empresa tão boa a preços tão atraentes.

III. Incorporação de baixa renda: amanhã será relançado o programa Minha Casa, Minha Vida, que pode dar momentum ao setor. De novo, reforço a importância de separar o ativo bom do ativo ruim. Tenda (BVMF:TEND3) está muito combalida e MRV (BVMF:MRVE3) se esforça para passar perspectivas otimistas em seu Investor Day, mas ainda temo o estouro de covenant neste ano – anunciar programa de recompra de ações diante de um risco assim me parece uma medida fora de propósito e desalinhada aos interesses de geração de valor a longo prazo para o acionista. Em contrapartida, Direcional (BVMF:DIRR3) e Cury seguem voando, numa diferença de performance frente às demais que só deve aumentar.

Olhando os resultados até agora, a máxima sugerida no início do ano para atravessar 2023 parece estar ainda mais apropriada: “numa guerra, os generais são os últimos a morrer.” Sem preconceitos, você encontra muita coisa boa na bolsa brasileira. Americanah é leitura recomendada, Americanas é pra passar longe.

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