Ninguém é Super-Homem

 | 13.11.2017 18:41

Saudações.

Imagine a seguinte situação: há, em determinada região, diversos terrenos à venda. Eles não são iguais, mas guardam entre si características que permitem, com alguma criatividade, que se estabeleçam algumas relações de proporcionalidade entre eles.

Por exemplo: dois lotes em uma mesma rua, lado a lado, com mesmíssima metragem, sem nenhuma diferença significativa nas respectivas áreas contíguas ou nos próprios terrenos em si.

Digamos, então, que um destes terrenos acaba de ser vendido ao equivalente a 2 mil reais o metro quadrado. Assumindo condições normais de temperatura e pressão, talvez seja relativamente seguro inferir que o terreno ao lado possa ser, eventualmente, vendido por valor semelhante - um pouco acima, um pouco abaixo. Da mesma forma, é razoável supor que quanto maior o decurso do prazo entre o negócio observado e um eventual novo negócio, maior é a chance de os valores diferirem significativamente - as condições de mercado podem ter mudado.

Agora imaginemos terrenos de mesmo tamanho, mas com características distintas. Digamos que um é o lote do exemplo anterior que ainda não foi vendido. O outro tem a mesma metragem, mas é de esquina. A experiência demonstra que terrenos desse tipo valem mais. Quão mais? Ao comparar transações semelhantes, descobrimos que o prêmio justo é, sei lá, 20 por cento (isto é um fenomenal chute - eu não entendo nada de terrenos). Então aquele ali seria negociado, potencialmente, em torno de 2,4 mil reais o metro quadrado.

E há outro terreno. Que também é de esquina, mas que tem um enorme desnível bem no meio - exigiria a construção de outro tipo de edificação. O único comparável do gênero não é de esquina. O que a gente faz? Óbvio: umagambiarra conciliando o prêmio da esquina com o desconto do desnível para chegar a uma opinião razoável.

Pois bem: agora troquemos os termos. Digamos que as ações de uma empresa que entrega retorno sobre o patrimônio líquido de X é negociada a um múltiplo de 1,3 vezes o valor patrimonial enquanto outra, que entrega Y, é negociada ao mesmo múltiplo. X é diferente de Y. Ou então as ações de uma empresa negociam a 10 vezes lucros enquanto outra, semelhante, está avaliada em 20.

O que fazemos? Tentar identificar as características de cada empresa que justificam (ou não) que suas avaliações sejam maiores ou menores em relação umas às outras. Qual empresa é mais rentável? Qual cresce mais? Qual tem maiores margens? Quais as diferenças nas maneiras que elas remuneram os seus respectivos acionistas?

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E assim, com base numa série de inferências, chega-se à opinião de que A deveria negociar a X vezes lucros enquanto B deveria negociar a N vezes EBITDA. Confesso: onde se lê opinião, logo acima, originalmente estava escrito conclusão. Me senti na obrigação de reescrever: o que o analista oferece é uma opinião de quanto um ativo deveria valer mediante a satisfação de um determinado conjunto de hipóteses (por exemplo: A continuará mais rentável que B ou, pelo contrário, B está promovendo uma ampla reestruturação que a tornará a nova grande sensação de seu setor).

Aí vem a grande questão que todos adoram perguntar: você acha que A valerá X quando? Essa é uma pergunta que, via de regra, o sujeito já faz com o calendário na mão.

A resposta, infelizmente, é mais opaca do que gostaria: da mesma maneira que, ao opinar que o terreno B deveria valer o mesmo que o idêntico A, eu não posso precisar se uma oferta por ele surgirá amanhã ou daqui a três anos. Da mesma forma que não posso prever o valor de uma empresa no futuro.

Ingrata porque exige o cumprimento de, no mínimo, dois pré-requisitos:

O primeiro é: o analista precisa estar certo. As premissas empregadas precisam se mostrar acertadas. Por mais que se busque, na maioria dos casos, amplas margens de segurança, qualquer inferência sobre o futuro sempre esbarra na possibilidade de completa frustração. Pergunte a quem analisava Aracruz ou Sadia lá em agosto de 2008 do que estou falando...

O segundo é: estando o analista certo, a interpretação do mercado em relação àquele cenário concretizado necessita coincidir. Digamos que a empresa B se torne mais lucrativa que A em determinado momento, mas que a maioria dos participantes do mercado veja isso como insustentável: a tendência é que A continue negociando com prêmio em relação a B, no matter what.

E ainda assim, meus caros, a gente tenta. Por quê? Porque eventualmente funciona.

Em minhas interações com pequenos investidores, ao longo de todos esses anos, fiquei convencido de que persiste uma ideia enganosa e perigosíssima: a de que o analista é dotado de uma "visão além do alcance" que lhe permite prever o futuro com precisão milimétrica. É extremamente comum receber questionamentos do tipo "quanto a bolsa vai subir semana que vem?" ou "quando XPTO4 vai atingir o seu preço-alvo?"

As variáveis quanto e quando já são difíceis de lidar isoladamente. Em conjunto, nem se fala.

O discurso empolado típico dos profissionais de finanças e a crescente sofisticação de método transmitem a ideia de que análise de investimentos é uma ciência exata. Rocket science. Pois afirmo: não é. Sem medo de errar, afirmo que isso tudo é uns 80 por cento arte.

Tenha isso em mente ao ler análises - sejam elas de quem quer que seja. Do outro lado da tela não existe um Super-Homem ou um sábio detentor da Pedra Filosofal: é um sujeito como você, que tão somente está queimando pestanas naquele tema há mais tempo e com mais intensidade do que você.

Pense nisso.

E cuide-se: tem uma guerra lá fora.

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