O Gráfico que Mais me Preocupa no Momento

 | 03.02.2020 09:42

Diante do comportamento do Ibovespa em janeiro, talvez muitos estejam preocupados com a perda de suportes importantes para o índice ou para algumas de suas ações. Outros, mais criativos, conseguem enxergar a figura de um bebê abandonado prestes a fazer um ombro-cabeça-ombro, seguido de um duplo salto carpado, que levaria o índice lá para os seus 108 mil pontos.

Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. De todo modo, não é qualquer um desses gráficos que me assusta no momento. Nada contra quem tenta usar das figuras para antecipar o futuro — para alguns, até as borras de café podem reservar o mistério do amanhã. Eu respeito, só não é a minha. Não combina com o ceticismo de Sextus Empiricus.

Escrevo estas linhas com as mãos um pouco trêmulas, a garganta seca e alguma dose de adrenalina. Rola uma lenda que o próprio Paulo Guedes já perdeu fortuna negociando contratos de Ibovespa Futuro — não sei se é verdade. Mas sei que meu próprio pai entregou boa parte do que tinha justamente nessa “brincadeira”. Cachaça, tabaco, mulher e trades de índice, um quarteto de vícios difícil de se combater.

O alerta que tento fazer hoje gostaria que tivesse sido dado à família Miranda nos anos 1990, quando papai perdeu para o Ibovespa Futuro boa parte do que havia conquistado em décadas de trabalho duro. Saiu de feirante (era vendedor de batatas acompanhando meu avô) para diretor de banco e dono de corretora. Foi seduzido pelo canto da sereia dos ganhos rápidos do day trade com contratos de índice e pela promessa da revolução das empresas pontocom às vésperas do estouro da bolha da Nasdaq. Essa foi a primeira vez que quebramos. Parece que ganhamos gosto pela coisa, porque, a essa experiência, se somaram outras quatro, numa montanha-russa em que as descidas eram cada vez piores e sem a contrapartida de recuperações da mesma magnitude. Está aí uma lição sobre falências familiares: a segunda vez é sempre pior do que a primeira; a terceira, pior do que a segunda; e por aí vai.

Enquanto você não muda, de verdade, sua mentalidade, você continua naquela tendência à repetição — e como mudar a natureza de um homem de 40 anos, que tinha certeza de que seus prejuízos com os day trades derivavam apenas do azar e que sua competência seria capaz de reverter a tragédia caso ele tivesse uma próxima chance? Repetir o procedimento esperando um resultado diferente é uma das definições de loucura. Diante da pressão que ele mesmo se impunha àquela altura por, em sua própria interpretação, destruir o seio familiar (o dinheiro não entra pela porta, o amor voa pela janela), e diante do acúmulo dos boletos, é bem possível que papai tenha mesmo perdido um pouco da sanidade. Eu e mamãe evitávamos a palavra loucura. Lá em casa, até hoje, a gente evita o termo, embora, internamente, os olhares dela possam me revelar o que sentia e ainda sente a respeito.

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Exatos 20 anos depois, venho a ser assombrado pelas lembranças pessoais. E talvez pelo viés individual, elas atinam minha alma, antevendo um cemitério de day traders, que, postumamente, culparão o próprio mercado, um suposto antro de jogadores, um cassino para tirar dinheiro das sardinhas inexperientes e transferi-lo para os grandes tubarões. A culpa, claro, nunca é nossa. Narciso acha feio o que não é espelho.

Peço que você preste atenção nos três gráficos abaixo: