Felipe Miranda | 16.01.2023 14:54
Íamos no carro da minha ex-sogra para o aeroporto de Guarulhos. Sexta-feira, Marginal Tietê, fim de tarde. Desnecessário dizer: trânsito absurdo. Por alguma razão desconhecida (ainda busco uma explicação para isso), o ar condicionado estava desligado. Janelas abertas naquele calor de um dezembro típico.
Atravessamos sob uma das pontes quando subitamente minha visão periférica captura um sujeito caminhando muito rápido em nossa direção, saca um revólver de dentro da camiseta e ordena: “dá o celular”. Eu estava no banco de trás, na janela oposta à intervenção. Meu ex-sogro, uma das pessoas mais serenas que já conheci, desembargador aposentado, culto, paciente e educado, à época perto dos seus 70 anos, era a interlocução mais imediata com o assaltante.
Com o revólver apontado pra ele, a expectativa de todos ali era de que meu ex-sogro fosse entregar o celular rapidamente. Para surpresa de todos, ele empenha um soco no peito do ladrão e afirma: “este celular é meu, você não tem o direito de levá-lo”.
Entendo o legalismo do desembargador, mas aquele momento pedia uma postura um pouquinho diferente. Recebeu de volta uma coronhada no braço e ameaças de um tiro na testa. Até que acabou entregando o celular, o assaltante saiu correndo, sob os berros fervorosos ao fundo daquele perplexo senhor: “ladrão, vagabundo, pilantra.”
Conto a história para provar um ponto: na hora do pânico, não há muita diferenciação. Em boa parte das vezes, os mais serenos cedem às intempéries das emoções e agem em desacordo com a racionalidade. Em avião caindo, ateu reza até Salve-Rainha e oração do anjinho da guarda.
Em investimentos, é mais ou menos assim também. Se alguém grita fogo no cinema, todos correm para a saída, indiscriminadamente. Como lembra Taleb, o mercado é um grande teatro com uma porta pequena.
Diante de um choque exógeno inesperado, muitos ativos caem de maneira igual, sem muita distinção. A diferenciação ocorre no pós-pânico.
Se o argumento ainda não está claro, tento de outra forma: num primeiro momento, as coisas caminham muito em função do “beta”, ou seja, conforme a sensibilidade do ativo às condições sistêmicas, desconsiderando suas características idiossincráticas. O micro fica atrás do macro. Num segundo momento, entram as virtudes e os defeitos individuais e particulares.
O mercado bateu indiscriminadamente desde o segundo semestre de 2021 nas ações brasileiras – exceção feita aos bancos, numa espécie de vingança à era das fintechs com os juros subindo, e às commodities, ativo real barato num mundo inflacionário e de oferta restrita. Nessa fuga para as colinas, misturou o joio e o trigo no mesmo balaio. Empresas ruins, fake techs, companhias que só funcionaram sob a excepcionalidade da Selic a 2% foram equiparadas a outros casos de empresas de qualidade que atravessavam um mau momento, quase como, no limite, insolvência e iliquidez se tornassem sinônimos perfeitos.
Feito o ajuste sistêmico, com a acomodação ao novo governo e a alternância entre mediocridade e pitadas de tragédia já no preço, possivelmente entremos num novo momento, em que o “alpha" passa a predominar sobre o “beta”, quando o stock picking (a escolha das ações corretas) passa a fazer a diferença. O mundo nos oferece uma oportunidade para isso, seja pela desaceleração mais intensa à frente, seja pela reabertura de China, que coloca os mercados emergentes e os produtores de commodity em evidência. O próprio início do Fórum em Davos hoje é uma chance nessa direção – goste você ou não, a mudança climática está lá entre os principais temas do evento e a presença de Marina Silva recoloca o Brasil no mapa do capitalismo woke e dos fundos interessados em ESG e na Amazônia em particular; enquanto isso, Haddad tem a oportunidade de mostrar-se aberto ao diálogo e representante de uma esquerda mais moderada (talvez até de forma mais surpreendente para alguns, ele tem se mostrado adepto da aritmética básica das contas públicas).
Alguns sinais de que o ambiente corporativo começa a demonstrar maior protagonismo:
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