O Rock 'n' Roll no Mercado

 | 07.07.2014 07:22

Com um pequeno pé de meia e nenhum conhecimento, eu sempre me sentia inseguro ao questionar um gerente de banco sobre aplicações financeiras. Não era culpa deles. Na verdade, eles não estavam ali para me educar, o trabalho deles era vender os produtos que melhor atendessem aos interessantes do próprio banco. Mais velho e escolado, percebi que eles também pouco sabiam além do manejo de uma calculadora financeira. Se não bastassem as pressões e metas do banco, e a quantidade de gente para atender, eles provavelmente se sentiam tão desconfortáveis quanto eu no assunto!
 
Mas a importância de investir me parecia cada vez maior. Afinal, as horas do dia e da semana impõem um limite para nossa própria produtividade. Para obter renda maior do que o nosso esforço individual nos permite, os investimentos são a saída. Pode ser em um negócio próprio (onde agregamos o trabalho de outros para aumentar nossa renda) ou em aplicações financeiras. As aplicações nos dão a chance de participar de negócios criados por outros (adquirindo ações de empresas), ou receber algum juro, em troca de permitirmos que nossas economias financiem a construção civil, os empreendimentos privados e o orçamento das atividades do governo (poupança, renda fixa, crédito privado e títulos públicos).
 
Em 1998, venci a inércia e comprei um livro do Motley Fool, em inglês, sobre ações. A abordagem era simples, basicamente fundamentalista e muito bem humorada. E por que não? Nos anos 1990s, bastava uma estratégia para lucrar com ações: compra-las! E muita gente jovem ganhou dinheiro e se acreditou expert no assunto (mais ou menos como no Brasil entre 2003 e 2008). Mas, ainda com um pé atrás na época, eu decidi explorar a internet e procurar mais informações. Foi minha primeira experiência como internauta. Vi que era bem mais fácil aprender sobre o mercado americano do que o brasileiro, além disso, o único livro que eu havia lido fora em inglês. Olhei vários gráficos históricos de ações que alguns sites norte-americanos disponibilizavam.
 
Duas coisas me chamaram a atenção na ocasião: aquela alta parecia já bastante esticada, e se o mantra era comprar na baixa para vender na alta, o momento talvez fosse melhor para venda, e não compra. Outra coisa que me incomodava era o crescente rumor sobre o bug Y2k. Havia o receio de que o ano 2000 traria problemas para os computadores das instituições financeiras. Bastaria uma quantidade suficiente de temerosos para que as ações caíssem antes da virada do século. Até então, os computadores registravam o ano com apenas dois dígitos (ex: "99" para 1999). Caso não fossem reprogramados rapidamente, seus sistemas entenderiam que "00" seria o ano de 1900, e não 2000. Uma curiosa falta de visão de longo prazo dos programadores anteriores! Graças a muitos indianos, trabalhando à distância e a um custo bem menor, as alterações nos sistemas foram feitas em tempo de se evitar o vexame. A Índia provou de forma competente que serviços também podiam ser exportados de um país para outro, não apenas produtos manufaturados. Uma grande vantagem obtida com aquela febre das ações ponto.com foi a rápida expansão mundial de linhas de conexões de internet. Houve um intenso "cabeamento" do mundo que possibilitou e barateou esses serviços! O bug Y2k não se materializou. Os temerosos foram insuficientes para causar uma queda no mercado antes do final de 1999. Mas minha primeira observação estava correta. O mercado de ações já tinha subido muito, e logo recapitulou.
 
Mal havia virado o ano (fevereiro de 2000), e o Dow Jones começou a se ressentir. Em abril, foi a vez da NASDAQ recuar forte. E, só em setembro, o S&P500 se solidarizou. O setor que mais sofreu foi o de tecnologia e internet. O estouro da bolha ponto.com levou o índice NASDAQ a recuar 80% em 2 anos e meio. O S&P500 perdeu 50% do seu valor em mais de 2 anos. E O Dow Jones retraiu cerca de 40% em quase três anos. Isso em preços nominais, já que em valores reais as baixas foram ainda piores. Eram anos desanimadores.
 
Apesar de toda a minha vontade e interesse em investir em ações, minha primeira atitude sensata foi não me deixar levar pela bolsa em 1999, quando a alta já durava tanto tempo. Evitei prejuízo e um trauma.
 
Só no início de 2003 firmavam-se os sinais de que a baixa havia se esgotado. Foi naquele ano que um grande amigo me introduziu aos princípios da análise técnica de ações, também chamada análise gráfica. Um ponto em que o Cláudio insistia era "não se case com nenhuma ação". Fazia sentido! Depois de quase 3 anos de mercado caindo, haveria 'divórcio litigioso' e/ou um grande desgaste emocional e financeiro. Mas o conselho dele ia contra aquilo que alguns diziam: "compre e esqueça". Anos mais tarde, fui testemunha dessa imprudência: algumas pessoas me procuraram para saber se suas antigas e amareladas cautelas de ações ao portador ainda valiam qualquer coisa. Certamente que, se nada mais, valiam pela lição: nunca compre e esqueça! (mas, se o leitor conhece alguém nessa situação, vale a pena conferir aqui antes de desanimar)
 
Enquanto escrevo essas linhas, já se passaram seis anos desde os 73.920 pontos do Ibovespa, sem que o índice tenha conseguido se recuperar. De maio de 2008 até hoje, a desvalorização nominal é de 26,9% (até 6-julho-2014). Se computássemos também a inflação nesses seis anos, a mordida seria bem maior em termos reais!
 
Mas, se seis anos não são suficientes para quem diz que ação é para um horizonte de tempo maior, talvez uma revisão de um século inteiro seja mais ilustrativa. E, se o objetivo dos investimentos é aumentar nosso poder aquisitivo, não faz sentido omitir a inflação nessa retrospectiva. (Aliás, aqui vai minha sugestão: os provedores de sistemas e programas gráficos deveriam nos dar sempre a opção de visualizarmos os gráficos históricos em valores reais!)
 
No gráfico abaixo, mostramos o índice Dow Jones ajustado pela inflação. Veja o desempenho real, em poder aquisitivo já corrigido entre 1914 e 2014: