Ministro Saudita Quer Tornar um Inferno a Vida dos Vendidos no Petróleo

 | 18.09.2020 08:46

Publicado originalmente em inglês em 18/09/2020

Durante seu reinado de 20 anos como ministro do petróleo da Arábia Saudita, Ali Al-Naimi provavelmente definiu o “padrão ouro” para os formuladores de política energética, não apenas em seu país, mas também na diplomacia mundial do petróleo.

Filho de um mergulhador que caçava pérolas e dedicou o início da sua vida à criação de ovelhas, Naimi acabou indo para a Universidade de Stanford estudar geologia e também frequentou as universidades de Harvard e Columbia. Durante seu período como chefe de facto da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o gregário ministro ganhava as manchetes não só pelo que dizia, mas também pelo que deixava nas entrelinhas.

Mesmo nos momentos mais difíceis do crash do petróleo em 2014 por causa do boom do fraturamento nos EUA, os operadores respeitavam – e temiam – Naimi. Eles sabiam que o ministro tinha o comando do mais influente país produtor de petróleo do mundo. Naimi retribuía o respeito ao nunca brigar pelo status de árbitro dos preços no mercado, apesar de Zaki Yamani, ministro do petróleo saudita dos anos 60 aos 80, soberbamente proclamar certa vez que “somos os mestres da nossa própria commodity”.

Khalid Al-Falih, sucessor de Naimi em 2016, era uma figura muito mais conservadora, cujo mandato – de apenas três anos – foi muito menor do que o de seus predecessores. Atarantado pela ameaça do shale oil norte-americano, Falih foi responsável por criar a mais importante parceria do petróleo saudita nesta era – com a Rússia.

O pacto foi a base para a fundação da Opep+, aliança entre 23 nações produtoras de petróleo nascida a partir dos 13 membros originais da Opep. Acanhado até certo ponto, Falih nunca se fiou em desafiar o mercado com a retórica, usando, em vez disso, dados de apoio sempre que precisava apresentar sua tese.

Aí entra Abdulaziz bin Salman, quarto filho do atual rei saudita Salman, após construir uma carreira no petróleo e passar três décadas galgando patamares no ministério de energia do reino antes de chegar ao topo no lugar de Falih em 2019. AbS, como é chamado, não é exatamente conhecido pela diplomacia do apaziguamento.

Falando à imprensa por videoconferência depois de acabar de presidir a reunião da Opep+, AbS ameaçou tornar um “inferno” a vida daqueles que apostavam contra o cartel operando vendidos no petróleo.

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Sem conseguir disfarçar seu desgosto por aqueles que fizeram os preços do petróleo despencar 13% nas últimas duas semanas, AbS parecia disposto a amedrontar os vendedores da commodity em vez de solucionar as preocupações com a demanda em meio à pandemia de covid-19.

Ao ser perguntado sobre os próximos passos da Opep, o ministro afirmou:

“Quem acha que vai tirar uma palavra de mim sobre os próximos passos está vivendo no La La Land... Vou balançar este mercado. Vou fazer um inferno da vida daqueles que estão brincando com este mercado”.

O cartel adotaria um posicionamento proativo e preventivo para enfrentar os desafios do mercado petrolífero, segundo o ministro, que reforçou sua estratégia de surpreender em vez de informar.

Não contente com sua tentativa de gerar medo no mercado, AbS fez um desafio. “Alegrem meu dia”, afirmou, abreviando a frase usada pela estrela hollywoodiana Clint Eastwood nos filmes de detetive Perseguidor Implacável:  “Vamos lá, alegrem meu dia”.

Como influente produtora de petróleo, capaz de atender suas próprias necessidades e abastecer outros mercados, Riad sabe que pode incutir nos operadores o medo de uma restrição de oferta para capaz de movimentar o mercado da sua forma. No entanto, nenhuma autoridade saudita na história recente se mostrou tão obstinada a recorrer à cartada do medo como AbS.

Evidentemente, seria possível defender que os comentários de quinta-feira não passaram de uma piada do ministro, que é o meio-irmão mais velho de Mohammad bin Salman – príncipe saudita conhecido pelas iniciais MbS e não exatamente famoso por sua humildade ou humanidade.

Mas, se AbS de fato falava sério – e não há nada que sugira que não estivesse – o momento da réplica parece estranho, considerando que o cartel liderado por ele não fez uma avaliação nada boa sobre a demanda petrolífera alguns dias antes.

Na segunda-feira, a Opep divulgou uma previsão menor para o crescimento do consumo de petróleo, citando uma recuperação mais fraca do que a esperada na Índia e outros países asiáticos e alertando que os riscos permanecem “elevados e com tendência de baixa” no primeiro semestre do próximo ano.

Em seu relatório mensal acompanhado por todos de perto, a organização sediada em Viena reduziu sua previsão de demanda mundial de petróleo em 2020 para uma média de 90,2 milhões de barris por dia (bpd). Trata-se de uma queda de 400.000 bpd em relação à estimativa do mês anterior e reflete uma contração de 9,5 milhões de bpd ano a ano.

A Agência Internacional de Energia, sediada em Paris, acompanhou o relatório da Opep com suas próprias previsões. Sua expectativa é que o crescimento do consumo mundial sofra um declínio de 8,4 milhões de bpd ano a ano, para 91,7 milhões de bpd. Essa é uma contração ainda mais profunda do que a estimada anteriormente em 8,1 milhões de bpd.

Os relatórios da Opep e da AIE saíram no momento em que o fim do pico das viagens automotivas de verão nos EUA cimentou as preocupações dos operadores em relação ao consumo de gasolina.

Alguns membros da Opep+, como Iraque e Nigéria – além dos grandes aliados sauditas Emirados Árabes Unidos (EAU) e Rússia –, também ficaram aquém dos cortes de produção prometidos em abril.

Mas, na reunião virtual ao vivo na quinta-feira, Abdulaziz, ao lado de Alexander Novak e Suhail Mohamed Mazrouei, respectivamente ministros do petróleo da Rússia e dos EAU, procuraram garantir que todos os “trapaceadores” da Opep compensariam o volume produzido acima de suas cotas de produção.

A aliança também se comprometeu a continuar o acordo de abril até dezembro, apesar de alguns membros, como os sauditas, decidirem elevar a produção.

Ao que parece, as garantias da Opep e o jogo de medo de AbS têm surtido efeito por enquanto.

O West Texas Intermediate, principal indicador dos preços do petróleo nos EUA, fechou na quinta-feira em alta de 81 centavos, ou 2%, a US$ 40,97 por barril. No pregão de sexta-feira na Ásia, o WTI ampliou seus ganhos, valorizando-se na semana mais de 10% e compensando a queda de 13% nas últimas duas semanas.