Os livros de finanças estão errados!

 | 13.03.2025 06:05

Disclaimer: esse artigo versa sobre uma total mudança de paradigma que eu sugiro em relação ao que os livros ensinam e muitos gestores corporativos fazem na prática. O assunto é complexo e demandaria muitas páginas para ser esgotado, de modo que aqui quero resumidamente expor algumas das minhas reflexões que embasam a minha sugestão de mudança de paradigma. As ideias aqui expostas são genuinamente minhas e não foram copiadas de lugar algum. É possível e até provável que outras pessoas também já tenham refletido a respeito e chegado às mesmas conclusões de modo independente.

Se você pegar um livro tradicional de Finanças Corporativas, daqueles utilizados em MBAs e cursos afins, logo no capítulo 1, via de regra, apresenta-se uma visão geral de administração financeira e do papel dos gestores financeiros. Até aí, tudo bem. Mas lá pelas tantas, vem o objetivo crucial da administração financeira corporativa. Você sabe qual é?

Bom... para citar apenas um livro, que por sinal é tradicionalíssimo - Fundamentos de Administração Financeira – 13ª edição (2022): Ross, Westerfield, Jordan e Lamb - logo em seu capítulo 1, página 15, eis o que diz (copiado e colado abaixo):

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Este livro não é o único, muito pelo contrário, a dizer isso: trata-se de algo disseminado e aceito. A frase acima pode vir de diferentes maneiras, tal como “o objetivo da administração financeira é maximizar o valor para os acionistas da empresa”, mas tudo acaba caindo no mesmo lugar. Percebam que estamos falando de algo bastante relevante por se tratar do objetivo número um da administração financeira corporativa, que é ensinado aos nossos futuros gestores corporativos. E aí vem a minha crítica clara e direta: isso está ultrapassado e antiquado. Nossos alunos estão sendo ensinados a fazer o errado: paradoxalmente, ao ter como objetivo principal maximizar o valor da empresa ao seu acionista, o que de fato será perseguido é um valor aquém do valor intrínseco (e ótimo) da empresa.

Vamos começar do básico, até para não deixar dúvidas: uma empresa com fins lucrativos precisa dar lucro ao seu acionista e isso é uma premissa que não se pode sequer discutir. A grande questão é às custas de que, de quem e como esse lucro deve ser gerado. E é nesse ponto que entram as três letrinhas importantíssimas ESG (ou, em português, ASG): (meio) ambiente, social (ou sociedade, como até prefiro) e governança.

De nada adianta uma empresa existir para dar lucros aos seus acionistas se essa mesma empresa não respeita o meio ambiente (E de ESG) e se aproveita da falta de fiscalização ou de legislação ainda capenga para usufruir da nossa natureza e obter os seus lucros. De nada adianta uma empresa gerar lucros se ela não respeita as pessoas (S de ESG) e não promove a diversidade ou paga menores salários a mulheres (pelo simples fato de serem mulheres!) em prol do resultado para o seu acionista. Por fim, de nada adianta uma empresa não respeitar a boa governança (G de ESG) e, com isso, praticar atos escusos (porém nem sempre ilícitos, infelizmente) para gerar lucros aos seus acionistas. Na verdade, em todos esses três casos, de uma forma ou de outra, a empresa está usurpando riqueza que pertence a toda a sociedade em prol apenas de seus acionistas – isso não parece um caminho desejável, sequer sustentável (principalmente se a sociedade abrir seus olhos e se posicionar contrariamente de maneira objetiva).

Para mim, o principal objetivo de uma empresa com fins lucrativos deve ser gerar riqueza não apenas para seus proprietários (ou acionistas), mas sim para toda a sociedade. E aí você deve estar pensando: tudo bem, entendi, mas e os acionistas? Boa! Vamos lá. Toda empresa privada com fins lucrativos precisa ter donos, proprietários ou acionistas (a nomenclatura pouco importa, você já percebeu: seguirei com acionista para tornar o texto leve). Sem a figura do acionista, a empresa simplesmente não existe e, portanto, ela não consegue cumprir o seu objetivo de maximizar o valor gerado para a sociedade. Desta forma, para cumprir o objetivo que defendo, o acionista precisa existir e, claro, ser remunerado para isso. (Observação: se você acredita em uma sociedade sem empresários, ou seja, sem donos e acionistas, sugiro estudar a história, pois já sabemos ser um caminho fracassado ao extremo, por isso nem cogito esta possibilidade).

O ponto anterior é crucial para tudo que tenho na minha cabeça ficar bem explicado: existe uma diferença importantíssima entre a empresa ter como objetivo maximizar o lucro do acionista e a empresa ter como objetivo remunerar seu acionista adequadamente. Ao querer maximizar o lucro do acionista, entra em cena o convite a práticas que corrompem o bom administrador financeiro. E notem que aqui não estou falando de práticas ilegais, mas práticas que são, no mínimo, questionáveis e, algumas vezes, antiéticas. Darei dois exemplos, mas seria muito simples enxergar muitos outros.

No mercado brasileiro, não é uma prática incomum que empresas enormes de capital aberto exijam prazos extensos de pagamento a fornecedores menores, bem como criem regras de relacionamento comercial que as beneficiam: isto é possível pelo desequilibrado poder de barganha que tais empresas naturalmente possuem. Ao fazer isso, seus gestores estão exatamente maximizando o valor para os seus acionistas, mas deixam muitos outros stakeholders chateados: esses, por não terem alternativas, precisam lidar com a insatisfação e com os custos desse relacionamento desequilibrado.

Outro exemplo é na negociação com colaboradores. Há uma distância enorme do mercado de trabalho real (especialmente no Brasil) do mercado de trabalho perfeitamente eficiente. Neste último, se eu pagar um salário achatado aos meus colaboradores e/ou não prover benefícios importantes, eu não consigo competir no mercado pois não serei capaz de atraí-los: a consequência é destruir valor do meu acionista. Entretanto, vivemos em um mercado real onde há desemprego e a mobilidade no mercado de trabalho não existe para todos, principalmente para aqueles trabalhadores oriundos das classes mais baixas. Estes não possuem alternativas e são, muitas vezes, obrigados a aceitar condições desfavoráveis. Com isso, se o meu objetivo for maximizar o valor para o meu acionista, eu achatarei salários e benefícios tanto quanto eu puder, pois assim deixarei mais riqueza para o meu acionista às custas dos salários reduzidos dos meus colaboradores. Em outras palavras: o ponto ótimo aqui ao maximizar a riqueza para o meu acionista é diferente do ponto ótimo ao maximizar o valor para a sociedade, com a restrição de remunerar o meu acionista adequadamente.

Notemos que os problemas acima seriam eficientemente minimizados caso o principal objetivo da empresa fosse maximizar o valor para a sociedade, com a condição necessária de remunerar o acionista adequadamente. Isto pois ao achatar fornecedores ou colaboradores, a empresa estaria destruindo valor para esses stakeholders e, em última instância, para a sociedade. Note também que a necessidade de remunerar o acionista adequadamente (em vez de maximizar seus ganhos) impõe a necessidade de um equilíbrio saudável nas relações com os stakeholders de uma empresa bem como a necessidade de termos empresas sustentáveis no modelo ESG, ou seja, que tenham seus lucros de forma social e ambientalmente responsáveis, com governança transparente e efetiva sem depender de práticas unilaterais e/ou com consequências negativas ao ambiente e/ou à sociedade.

E o que diria a teoria moderna de Finanças e Investimentos a respeito dessa guinada no principal objetivo das corporações e seus administradores? Já refleti intensamente sobre isso e posso afirmar que sou bastante convicto do que eu proponho. Como disse no início deste artigo, “o assunto é complexo e demandaria muitas páginas para ser esgotado”, logo irei expor o cerne do argumento.

Ao tentar maximizar o valor para o acionista, além de todos os pontos acima, a empresa ficará muito mais exposta à volatilidade do mercado, aumentando o risco percebido. Esse maior risco demandará, através de qualquer modelo de precificação, um maior custo de oportunidade, ou seja, uma maior taxa de desconto ao seu fluxo de caixa. E uma maior taxa de desconto reduz o valor de uma empresa. Ao buscar o retorno adequado ao acionista, a empresa tende a ter resultados mais robustos e estáveis, corroborando o argumento. Além disso, ela fica muito menos sujeita a ataques especulativos, o que explicarei melhor a seguir.

Uma empresa que busca, a toda prova, rentabilidades maiores a seus acionistas quando tem um período excepcional, de alta geração de valor ao acionista, tende a ter seu preço no mercado aumentado por expectativas de manutenção daqueles resultados, o que é também explicado pelo aspecto comportamental conhecido como “otimismo exagerado”. Em períodos conturbados e de baixa (ou nenhuma) geração de valor ao acionista, a empresa tende a ter seu preço diminuído demasiadamente pelos mesmos motivos, mas agora o aspecto comportamental observado é o “pessimismo exagerado”. Esses dois efeitos geram intensas movimentações especulativas no mercado, onde de um lado os mais otimistas (ou pessimistas) procuram comprar (vender) o papel e, do outro, agentes mais realistas de mercado buscam posições opostas. Especulação exagerada gera volatilidade em excesso, que por sua vez aumenta o risco percebido e faz com que acionistas demandem um prêmio de risco adicional daquela empresa, prêmio este que nada tem a ver com a sua operação, ou seja, com o seu negócio (e sua razão de existência).

Para ilustrar o que eu quero dizer, observe as duas sequências de retornos a seguir:

Ao longo de 10 anos, ambas as empresas entregaram a mesmíssima rentabilidade para seus acionistas, com o mesmo retorno médio (geométrico!) anual de 9,8%. Não obstante, a empresa ObCerto (com objetivo certo!) entregou com bem menos volatilidade, de modo que é muito provável que qualquer modelo de risco a aponte como menos arriscada e que, portanto, demande um custo de oportunidade menor. Em consequência, ela tende a valer mais que a empresa ObErrado (com objetivo errado!), deixando seu acionista mais feliz. Note como a volatilidade em excesso destruiu valor da empresa ObErrado.

Para concluir, quero afirmar que o fato de uma empresa declarar que tem por objetivo a maximização do seu valor para a sociedade, através do respeito efetivo ao conceito ESG e com a responsabilidade de entregar ao seu acionista o retorno adequado ao risco do seu negócio, faz com que ela atraia mais investidores e não o contrário. A busca incessante pela maximização do retorno ao acionista traz armadilhas que, se bem precificadas, tornam a empresa menos atrativa aos investidores, principalmente àqueles ESG-responsáveis. Esse é, aliás, o paradoxo comentado no início deste artigo: buscar a maximização do lucro para o acionista, à revelia do valor gerado para a sociedade, é um tiro no pé porque, na realidade, tende a reduzir o valor da empresa para seus acionistas em um mercado bem precificado e aderente ao conceito ESG.

Torço por empresas que tenham verdadeiramente o objetivo de maximização do valor gerado à sociedade com a condição de contorno de entregar a seus investidores uma rentabilidade adequada ao risco assumido. Essas empresas serão sustentáveis e compatíveis com o que uma sociedade responsável deseja para hoje e sempre. Ter como objetivo a maximização do valor gerado ao seu acionista é antiquado e míope, revelando-se uma estratégia equivocada que não faz bem a mercados financeiros eficientes, muito menos para sociedades eficientes.

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Um forte e respeitoso abraço a todos vocês.

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* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.

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