QE Postado na Parede?

 | 12.05.2015 08:31

Eu gostava muito da minha avó. Sempre bem disposta! Por vezes um tanto teimosa, mas era uma mulher carinhosa, alegre e autoconfiante que apreciava todos os dias de sua vida. Ainda em 1910, seus pais a chamaram de Áurea. A palavra, relativa ao ouro, já sugeria alguma preciosidade. E, por 97 anos, ela se mostrou merecedora do seu nome.

Sempre sorrio ao me lembrar do seu jeito positivo e bem humorado. Ainda muito pequeno, foi com ela que aprendi uma das minhas anedotas favoritas, causando muitos risos entre os colegas de escola: O Joaquim entrou na padaria e, estupefato, flagrou seu patrício martelando a ponta de um prego com a cabeça voltada para a parede. Mais esperto e diligente, ele foi logo dando prova de sua superioridade intelectual. "Ó, Manuel, mas tu és parvo mesmo! Então não estas a ver que este prego é da parede de lá?!"

Há já algum tempo, eu li um artigo que me lembrou da piada da minha avó Áurea. O autor do texto dizia que, quando só resta um martelo nas mãos do Banco Central, TUDO começa a se parecer com pregos!

Nesses estranhos tempos atuais, de economia nada ortodoxa, todos nós também estamos dispostos a martelar uma opinião ou outra. Oferecemos gratuitamente algumas "joias" de nosso próprio pensamento (escrevo em tom de ironia). Contudo, só o tempo poderá nos redimir de tantos achismos...

Em agosto de 2014, ao alertar que o petróleo não contava com fundamentos que suportassem o preço do barril à volta de US$ 100, minha análise foi rapidamente agraciada pelo desenrolar dos fatos. E tenho também martelado há meses que não há grandes chances dos EUA subirem seus juros básicos. O assunto já foi tema de vários textos meus, com minha aposta a favor dos títulos de dívida longa do Tesouro dos EUA. A aposta se mostrou correta por muito tempo, mas os ventos já começaram a mudar.

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Quem leu com atenção o artigo Dólar, Juros e Grandes Poderes (de dezembro de 2014) notou que a apreciação do dólar e minha suspeita de desinflação (até então não confirmada) já me sugeriam mais compras de ativos pelo FED. Na prática, isso significaria mais impressão de dinheiro. Mas havia um problema: ficava difícil justificar mais Quantitative Easing, quando o QE3 tinha acabado tão recentemente sem deixar efeitos duradouros. Assim, a economia estaria fadada a se virar sem as muletas da impressão de dólares por algum tempo. Note que, ao escrever aquele artigo, QE3 havia se encerrado fazia poucas semanas.

Naquela ocasião, o último resultado divulgado de inflação anual era de 1,66%, referente aos 12 meses findos em outubro de 2014. Meu prognóstico de desinflação era embasado no comportamento relativo dos juros longos, na valorização do dólar, no percentual da população dos EUA e no multiplicador monetário (de M1). Até onde eu podia enxergar, todos os dados apontavam contra uma elevação dos juros pelo FOMC. De fato, do ponto de vista de Bernanke e sua sucessora Yellen, à exceção do multiplicador monetário de M1, tudo mais parecia indicar outra rodada de quantitative easing.

A ilustração abaixo parece desafiar o bom senso. Depois de quase quatro TRILHÕES de dólares impressos nos últimos 6 anos, lá está a desinflação norte-americana novamente, já na forma de uma leve deflação.