Se a Realidade Muda

 | 02.10.2017 14:56

Numa das suas tantas tiradas, Lord Keynes, em certa ocasião, comentando sobre o comportamento da economia britânica, em contradição aos seus preceitos teóricos, afirmou que “se a realidade muda, minhas convicções também têm que mudar”. Vivemos situação semelhante nos dias de hoje.

Falando sobre a atuação do Fed, frente a uma economia em crescimento robusto, mercado de trabalho a pleno emprego e inflação teimosamente baixa, Janet Yellen deu a isso a conotação de um enigma. Como explicar inflação tão baixa, diante de economia tão aquecida? Conflita-se aqui como sempre com a Curva de Philips, na nossa opinião cada vez mais em desuso, diante dos avanços da tecnologia, dos serviços, da acomodação dos empregos formais, em confronto com as pressões de custo das empresas.

Em tese, a economia estando aquecida, até pelo lado do mercado de trabalho, o normal seriam pressões advindas da “espiral preço-salário”, pelo lado dos custos das empresas, pressionando a inflação. Por enquanto, não é isso que vem ocorrendo. Segundo Janet, o que temos são “desenvolvimentos idiossincráticos não relacionados às condições econômicas mais amplas”. A economia ensaia crescer cerca de 2,4% em taxas anuais, depois de registrar 3,1% no segundo trimestre, opera no mercado de trabalho a pleno emprego, com a taxa de desemprego em torno de 4,4% da PEA, mas mesmo assim a inflação, tanto pelo PCE (índice “oficioso” do Fed), como CPI, teima em se manter em baixa, em torno de 1,7%, abaixo da meta de 2% do Fed. Ao nosso ver, a explicar isso temos os crescentes ganhos de produtividade, mudando o mercado de trabalho e reduzindo os custos, além das commodities em patamar baixo, derrubando ainda mais os custos de energia e o dólar se valorizando, dada a robustez da economia norte-americana nos últimos tempos. Diante disso, o que deve fazer Janet Yellen?

Deve manter o gradualismo nas próximas reuniões. Em outubro, na reunião do Fomc dos dias 31/10 a 01/11, de novidades teremos o início da política de desmonte dos estoques de ativos, hoje em torno de US$ 4,5 trilhões. O Fed não rolará seus vencimentos até US$ 10 bilhões mensais até dezembro, depois elevará este limite a US$ 20 bilhões até chegar a US$ 50 bilhões depois de outubro de 2018. Expectativas do mercado indicam que este estoque de ativos deve se reduzir a US$ 2,5 trilhões num prazo de até três anos, quando, pelos cálculos do Fed, haverá uma “normalização da política monetária”. Isso deve vir em paralelo a um ciclo bem gradual de ajustes da taxa de juros, com o próximo previsto para dezembro agora. Depois teremos mais três ao longo de 2018, dois em 2019 e mais um em 2020. Ao fim deste ciclo, a taxa Fed Funds deve chegar próxima a 2,75% e não 3,0%, como muitos achavam. Será o chamado patamar de equilíbrio da taxa de juros, considerado compatível com o ritmo da economia e as pressões inflacionárias. Esta taxa é praticada, inclusive, pelo T Bonds de longo prazo, de 30 anos. Importante destacar que esta taxa vem convergindo a 2,75% nos últimos meses, saindo dos anteriores 3,0%.

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Analisando as formas de atuação dos bancos centrais, o Fed trabalha com o chamado “triplo mandato”, na qual enxerga como compatibilizar a inflação, com o ritmo da economia e do mercado de trabalho. Para isso, então, baliza suas expectativas tentando guiar o mercado (ou ancorar estas) a partir da taxa de juros de curto prazo, adotando mudanças quando necessário. Usa também outros instrumentos, como o Quantitative Easing (QE), criado em 2008, quando da crise do subprime. Cabe salientar que outros países acabaram “bebendo nesta fonte”, como no caso do Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BoJ).

Desde então, o Fed vem atuando com muita cautela, desmontando gradualmente estas políticas de estímulo à liquidez, evitando assim alguma ruptura ou estouro de bolha, assim como elevando o juro lentamente.

No Brasil, por exemplo, o Banco Central opera as expectativas dos mercados mirando apenas a preservação do “poder de compra da moeda” (combate à inflação), além de, em paralelo, atuar na fiscalização das instituições financeiras. Soma-se a isso, a nomeação dos diretores e do presidente ocorrer a cada mudança de governo, ao contrário do Fed, quando estas mudanças acontecem a cada quatro anos, não coincidindo com o mandato do presidente. Sobre isso, no entanto, são crescentes os boatos de que Janet Yellen não deve continuar no Fed a partir de fevereiro, quando termina seu mandato, por divergências com o governo Trump nas políticas de regulação, e agora, depois do maior pacote fiscal da história, anunciado pelo presidente, devendo gerar uma considerável piora das contas públicas. Sobre este tema falemos numa outra ocasião, quando este pacote já tiver sido votado no Congresso.

Por fim, achamos que mantendo este gradualismo atual, o impacto cambial sobre o Brasil (e os emergentes) deve ser relativizado, desde que por aqui o dever de casa das reformas avance numa certa urgência. Temos a denúncia contra o Presidente Temer, a se resolver agora em outubro, o que deve atrasar ainda mais as reformas, com destaque para a da Previdência. Esta, com sorte, deve ser “jogada” para ser votada nos primeiros meses de 2018. O problema é que quanto mais demorar, mais se tornará difícil a aprovação de uma reforma razoável. Corremos, portanto, contra o tempo.

MERCADO DE TRABALHO À PLENO EMPREGO