Série Especial: Inflação Americana e Estímulos Monetários e Fiscais

 | 19.05.2021 12:20

Este é o quarto texto da Série Especial "Inflação nos EUA: a Batalha entre Fed e Mercado"

A eterna discussão entre política monetária, política fiscal e mercado financeiro ganhou novos contornos nos últimos anos, devido à adoção dos programas de alívio quantitativo em países desenvolvidos, aqueles com capacidade e reserva de valor para assim fazê-los.

Neste ínterim, muito se discutiu também a que custo fiscal seriam patrocinados tais programas e como isso se traduziria, num futuro até então desconhecido, em normalização das taxas de juros e retirada da série de estímulos que inundava o mundo.

Alheio a tudo permaneceram os mercados emergentes, sem potencial fiscal de implantar a mesma quantidade e qualidade de estímulos, porém se beneficiando do contexto positivo da liquidez provida pelos bancos centrais.

Algumas respostas surgiram com a crise pandêmica, ao se demonstrar que programas de alívio quantitativo na verdade serviram mais como um instrumento de redução dos spreads longos das taxas de juros e de fornecimento de um capital de liquidez barato e abundante, do que um instrumento de estímulo da atividade econômica, que poderia sim criar inflação.

Da adoção no último ano de políticas mais voltadas à injeção de liquidez via meios monetários mais primários, surge a tão (in)esperada inflação que agora assusta os investidores.

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Não existem respostas ainda sobre o caráter ‘temporário’ desta pressão de preços e como ela deve se comportar, pois sequer foi aprovado o plano de infraestrutura do presidente Joe Biden. Uma coisa, porém, é certa: a teoria econômica clássica continua a responder a primordial pergunta sobre a inflação, pois com um ano da enxurrada de dólares na economia, ela ressurgiu com força.

Que Paul Volker nos perdoe.

h2 A MATEMÁTICA/h2

2+2=4

É inexorável que a matemática nos possibilita utilizar de maneira imediata e em nível global redes sociais, nos permite calcular com precisão os movimentos celestes, colocar drones em Marte e evita que nossos tetos caiam em nossas cabeças com engenharia precisa.

Ela nos faz carregar nos bolsos um computador com mais de 1 milhão de vezes a capacidade de memória do computador que levou o homem à Lua, o qual contava com um processador de 0,043 MHz, comparado aos 2.490,000 MHz de um iPhone atual, ou seja, o telefone que você usa para fazer vídeos de TikTok é 100 mil vezes mais potente que o computador que nos levou ao maior feito da humanidade.

Cito tudo isso para dizer que a economia, ainda que uma ciência que trafega livremente em um misto de questões humanas, psicológicas, geográficas e históricas, é igualmente carregada de um forte arcabouço matemático, para horror dos heterodoxos.

Saímos da matemática para chegar na economia para dizer que a tal matemática, traduzindo, o dinheiro, não leva desaforo para casa.

Esta introdução serve à compreensão dos princípios que regem um fator fundamental para a economia: a Cautela.

O que os Bancos Centrais têm feito mundo afora, em nome da tentativa de reaquecer ou preservar as economias é diametralmente o oposto do que rege tal princípio, pois em tal cenário de dúvidas e novidades, sequer a academia conseguiu dar as respostas corretas à série de eventos que se instalou no planeta nos últimos 13 anos, o mercado muito menos e no fim, menos ainda os Bancos Centrais.

Em princípio, por alguma distorção que pode ter sido causada em partes pelo alto grau de digitalização da economia, fortemente impulsionada pela adoção da tecnologia 4G, com smartphones melhores e mais acessíveis a partir de 2010 (o que pode se convencionar como Amazon Effect para os bens e Uber Effect para os serviços), a inflação deixou de ganhar tração nas economias desenvolvidas, o que foi acompanhado da falta de tração da atividade econômica em algumas localidades (Europa e Japão).

Outro ponto seria a conversão da inflação de bens para a inflação de ativos de mercado financeiro, este ponto também carecendo de maior estudo na questão inflacionária, mas que ajuda a explicar desde 2010 um bom desempenho dos ativos de maior risco dos mercados em meio ao cenário desafiador.

A inflação de ativos decorre de uma injeção ‘indireta’ de recursos na economia via crédito barato, isenções e estímulos tributários: Age com impacto no resultado das empresas, que se convertem (em partes) em maiores investimentos, melhora do humor dos investidores e consequentemente, incremento da atividade econômica, ainda que parte destes recursos sejam utilizados por uma parcela das empresas em programas de recompras de ações, títulos e dívidas.

Em resumo, o crédito barato via M3 não gerou o fluxo de estímulos e investimentos esperados na cadeia produtiva e sim ajudou a inflar diversos balanços do Fed e de centenas de empresas, em especial daquelas impactadas por mudanças estruturais profundas na economia.

Neste contexto, precisamos levantar algumas hipóteses, dado o enorme desafio de contexto, entre elas:

· A ampliação da base monetária, contrariando a perspectiva econômica mais ortodoxa, deixou definitivamente de gerar inflação?/h2

Esta é uma pergunta que tem sido feita constantemente desde a adoção dos programas de alívio quantitativo, em resposta à crise das hipotecas de 2008.

Pelo conceito amplo de meios monetários nos EUA:

1. M0 é o dinheiro (papel moeda);

2. M1=M0 + mais depósitos à vista, ou seja, que não rendem juros;

3. M2=M1 + os depósitos a prazo + títulos do governo em poder do público. Neste ponto, podemos considerar de modo simplista os depósitos a prazo como aquilo que de certa maneira remunera juros;

4. M3=M2 + Repo + Emissões de Crédito Privado (CDs) + depósitos em Eurodollars

Vamos encerrar por aqui, pois o foco é exatamente o papel dos meios até M3 no cenário atual.

Reiteramos que os recursos disponíveis aos programas de alívio quantitativo (QE – Quantitative Easing) operados até recentemente não foram necessariamente destinados a injeção de recursos diretos na economia via M2, ou seja, dinheiro na mão e crédito facilitado e a abundante, nos moldes de 2011 no Brasil.

Ainda que tenha prestado o papel de achatamento dos vértices mais longos da curva de juros americana, o QE serviu em grandes partes para inicialmente limpar o balanço das empresas e instituições financeiras, algo muito importante naquele momento histórico e num segundo momento, serviu de instrumento de liquidez abundante ao mercado, levando à inflação de ativos, deflagrados pelo processo incialmente de recompra de ações de diversas empresas a baixo custo, até instrumentos mais complexos.

Observando assim, podemos considerar que boa parte do QE não ficou sequer em M2, poderíamos entender que se empoçou em grande parte em M3, também devido aos Repos.

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Ou seja, recursos no balance sheet do Federal Reserve se expandiram fortemente, enquanto o dinheiro na mão do consumidor, o que “causa inflação”, acesso ao crédito cresceu lentamente, numa faixa de 6% aa em M2.

Ao contrário da premissa até 2018 de redução do balance sheet, o Fed retomou a partir de março de 2020 um processo intenso de compra de Treasuries (conforme demonstrado no relatório deste mês do BLS.