Sebastião Buck Tocalino | 01.08.2014 14:40
Eu gosto de ficção científica, mas são poucos os filmes que se salvam no gênero. Espetacular foi "2001 - Uma Odisseia No Espaço", o clássico baseado em um conto de Arthur C. Clark. Lançado ainda em 1968, pouco antes de o homem pisar na lua, o filme dirigido por Stanley Kubrick continua insuperável até hoje! Outro escritor que inspirou vários filmes futuristas foi Philip K. Dick. Entre eles, "Blade Runner - O Caçador de Androides" (de 1982) dirigido por Ridley Scott. Esses filmes estão entre os meus favoritos. E ambos mostravam alguma forma de inteligência artificial desenvolvendo instinto de sobrevivência e emoções. Foi pena Stanley Kubrick morrer antes de filmar seu último projeto, justamente o chamado "A.I. - Inteligência Artificial", que acabou realizado por Steven Spielberg.
Mas, por que falar de ficção científica aqui? Bem, a verdade é que nem só de economia vive o ser humano! E, vice-versa, nem só de seres humanos vive a economia. Mas, se não de forma exclusiva, o ser humano continua sendo o elemento fundamental da economia!
De fato, na fabricação de bens e produtos, as máquinas já substituíram boa parte da mão de obra em linhas de montagem. Até no setor de serviços, caixas automáticos eletrônicos substituem parte dos funcionários bancários; vending machines vendem refrigerantes, doces e salgados industrializados; sistemas lógicos com gravações fazem boa parte do atendimento telefônico a clientes; prédios têm porteiros eletrônicos com interfone e câmeras; etc. A Amazon já está fazendo até entregas de compras em certas áreas com o uso de drones (pequenas máquinas voadoras não tripuladas - veja o vídeo Centers for Disease Control and Prevention ). Porém, em 1970, a idade média das mães ao ter o primeiro bebê era de 21,4 anos! Na maioria dos casos, a diferença de idade entre pai e mãe é inferior a 3 anos. Assim, geralmente, um ou uma chefe de família com 48 anos hoje ainda têm grandes despesas com a manutenção e a educação dos seus filhos. Os gastos com vestuário, alimentação, lazer e educação desses dependentes aumentam com a idade deles. Só a partir do momento em que se emancipam, é que os filhos deixam de gerar despesas crescentes para seus pais. Portanto, o ciclo de gastos da família/domicílio estaria mais associado à idade dos filhos, do que propriamente à idade dos pais. Uma vez crescidos, educados e emancipados, esses jovens permitem que as despesas dos pais recuem bastante. O momento coincide com uma maior preocupação dos pais em engordar a poupança, a fim de garantir com maior reserva financeira a aposentadoria que se aproxima.
A fisiologia do sistema endócrino, com ciclos hormonais que se modificam com o passar dos anos, regulam nosso relógio biológico e também nossos comportamentos. Além disso, somos criaturas gregárias, sujeitas a influências culturais e hábitos sociais. Isso nos permite fazer algumas generalizações sobre nossa trajetória na vida:
Nos gráficos abaixo tracei alguns dados que obtive do último relatório anual de consumo nos EUA, referente ainda a 2012:
Representado no primeiro gráfico, os gastos com calçados dão uma nítida ideia do quadro que a demografia nos permite visualizar. Filhos crescem rapidamente, perdendo logo os sapatos. Mesmo quando o crescimento desacelera, esses jovens ainda se arrastam, pulam, correm, derrapam, participam de jogos, esfolam e arrebentam seus calçados! Quem já teve filhos não se admira com essa curva de consumo.
Observe como educação e alimentação fazem um nítido pico de gastos quando os pais estão na faixa dos 45-54 anos. Seus filhos já estão grandes, estatisticamente entre os 17 e 26 anos, na média de 22 anos. São estudantes ou dependentes prestes a se emanciparem. As despesas com filhos nessa idade formam um pico de grande destaque no orçamento dos pais. Ao fim dessa fase da educação e da dependência desses jovens comilões, sedentos por modismos e inserção social, os gastos do(a) responsável pela casa passam então a regredir.
Em um texto anterior, eu já havia apontado e ilustrado através de um gráfico a pressão inflacionária que a abundante última geração de Baby-Boomers representou para a economia norte-americana na década de 1970 (quem quiser conferir, acesse "aqui )
"O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser." (Paul Ambroise Valery - poeta e filósofo francês)
Em 1982, o filme "Blade Runner" apostava em uma Los Angeles completamente orientalizada no ano 2019. Japoneses e outros orientais andavam por toda parte e estavam presentes nas grandes empresas e nos pequenos negócios. A linguagem "cityspeak" falada nas ruas era uma mistura de japonês, espanhol, alemão e inglês. Em referência à então ascendente economia japonesa e à crescente população latina nos EUA, os anúncios das colônias espaciais apresentavam a (fictícia) Shimago-Dominguez Corporation "ajudando a América a entrar no Novo Mundo". O filme ilustrava bem a expectativa de um Japão cada vez mais poderoso economicamente.
Eu estava na Europa no final da década de 1980, quando os japoneses compravam imóveis, hotéis e negócios por lá. Naqueles tempos, muitos se admiravam com o dinamismo da economia japonesa. Mais ou menos como a China de hoje. Lembro-me quando, em 1989, a japonesa SONY comprou a Columbia Pictures e também os estúdios cinematográficos da Tri-Star norte-americana. Era impressionante que uma única corporação japonesa tivesse adquirido dois importantes ícones da cultura norte-americana. Os investimentos japoneses escalavam no ocidente naquele final da década de 1980. O ritmo japonês levava muitos observadores a acreditar que a economia dos EUA seria eventualmente ultrapassada pelo Japão.
A enorme valorização imobiliária no Japão permitia que imóveis lá fossem usados como garantia para o financiamento de mais investimentos e aquisições alavancadas dentro e fora do país.
Veja algumas das justificativas que eram apontadas para a "sustentabilidade" daquela acelerada alta nos preços dos imóveis:
As justificativas pareciam até muito razoáveis para a crescente valorização imobiliária no Japão.
Mas, para quem prestasse mais atenção ao seu perfil etário, a demografia japonesa já contava outra história. Bastante diferente! A população envelheceria e não haveria trabalhadores e consumidores jovens suficientes para manter o mesmo ritmo econômico. A demanda no consumo diminuiria.
A contração demográfica já estava clara no perfil populacional. E uma crise econômica era presumível para qualquer um que aceitasse a relação entre demografia e economia. Faltariam sujeitos para continuar conjugando aquele desempenho japonês no tempo futuro!
E essa crise chegou até mais cedo do que seria de se esperar, isso graças aos abusos de crédito e endividamento privado. Foi uma combinação fatal: demografia desfavorável + abusada alavancagem financeira! Os próximos gráficos mostram bem suas consequências a partir de 1990.
O índice Nikkei 225 foi bastante representativo daquela euforia na década de 1980. A estagnação e posterior contração na quantidade de pessoas em idade economicamente ativa foram determinantes para uma desaceleração econômica que se manteve indiferente às políticas e estratégias do Banco Central do Japão.
Economistas, homens de negócios e investidores consideram-se pessoas de "mentes mais sofisticadas". À procura de indicadores fundamentalistas mais pretensiosos e engenhosos, ou talvez puramente otimistas, não deram a merecida atenção a um indicador bastante simples, despretensioso e acessível. Uma melhor observação da demografia teria sido extremamente útil para refrear tanta euforia nos especulativos anos anteriores.
A demografia é um importante fundamento para a economia!
Ainda no filme Blade Runner, o engenheiro genético J. F. Sebastian explicava a uma replicante: "aqui não há falta de moradias". E se a idade servir de base, é natural que uma população madura, cujos (poucos) filhos já deixaram a casa, não tenha mais razão para se mudar para imóveis maiores e mais caros. Em geral, acontece o contrário. A preferência passa a ser por um imóvel menor, de manutenção mais fácil e conveniente. E uma menor população jovem implica em uma desaceleração na formação de novas famílias e lares. Por isso, o envelhecimento da população gera distúrbios no mercado imobiliário, diminuindo a demanda por imóveis novos e aumentando a oferta daqueles de segunda mão. O efeito disso se traduz em uma estagnação ou desvalorização imobiliária.
Mas a história nem sempre serve de lição e, justamente por isso, ela se repete...
Tanto o perfil demográfico do Japão, em 1990, como o dos EUA, em 2006, eram fatores predisponentes para uma crise imobiliária. Porém, nenhum dos dois justificaria por si só a rápida deflação dos imóveis que viria a seguir. Caso esses mercados estivessem realmente apenas abastecendo famílias com lares adequados para a sua própria habitação e o seu próprio orçamento familiar, sem envolver todo aquele investimento de grau meramente especulativo que de fato ocorreu, a crise imobiliária teria sido bem mais branda ou, quem sabe, se resumiria a uma longa estagnação do mercado. A seriedade de ambas as crises (Japão e EUA) foi resultado do irresponsável comportamento das instituições financeiras, ofertando crédito a investidores, especuladores e pessoas inadequadas justamente nos últimos anos do bônus demográfico que se exauria. Como que na gula pelo doce que lhes seria retirado em breve, lambuzaram tudo e todos à sua volta, em uma frenética raspa do tacho!
Faltaram regulamentação e fiscalização do governo. Para quem achava que o estado não deveria se intrometer nesses negócios da iniciativa privada, por que então deveria haver o socorro financeiro à custa dos contribuintes e das contas públicas?
Existe um sábio ditado chinês que diz assim: "Enganou-me uma vez? Envergonhe-se! Enganou-me duas vezes? Envergonho-me!"
Mas será que os próprios chineses, e outros tantos, estão de olhos bem abertos para nos blindar contra outra odisseia dessas no futuro?
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Texto de Sebastião Buck Tocalino. Direitos autorais protegidos pela lei 9.610/98.
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