Superministros e Seus Poderes

 | 19.02.2019 09:05

Como dizem por aí, nem todo herói usa capa. O ditado popular, nas entrelinhas, quer dizer que existem “heróis” em toda parte. São pessoas comuns, mas com boa vontade de sobra. Podem ser de qualquer profissão e geralmente estão na vanguarda - ou do pensamento ou da ação.

Na esfera pública, o ideal aristotélico denominou estes “heróis” de homens públicos, aqueles que estavam sempre a serviço do bem comum. O grego ficaria decepcionado com os (não tão) exemplares homens públicos na história das democracias modernas, mas podemos apontar algumas exceções.

Uma delas, ao meu ver e - frise-se - até agora, é o nosso Superministro da Economia, Paulo Guedes. É curioso observar como a narrativa de heróis se entrelaça com a narrativa política até nos detalhes - o Superministro, os vilões da República, o Juiz Herói e por aí vai…

Vamos falar de Guedes. Lá atrás, confesso que tinha minhas dúvidas quanto ao fit do economista para o setor público. Apesar de ser renomado no mercado financeiro, seu temperamento explosivo e personalidade forte não pareciam adequados à vida política.

Pelo contrário: o ministro vem tendo uma postura bastante sóbria, apesar de gerar alguns inevitáveis atritos. Afinal, ele quer cumprir o que se propôs a fazer e seus encaminhamentos são essenciais para reorganizar a economia brasileira.

Os tais atritos são gerados com outros setores do governo, que - por defesa de interesses de concentrados grupos da sociedade civil - discordam das medidas mais ortodoxas de Guedes. Infelizmente, esse quadro é recorrente no Brasil: ninguém aceita abrir mãos de privilégios.

Herança socioeconômica, plutocracia, troca escusa de favores… diagnósticos não faltam. Sejam lá quais forem as origens dos agrados corporativistas, o fato é que Guedes está mais do que disposto a fazer uma faxina nos subsídios, financiamentos e outras vantagens em setores da economia.

Na semana passada, contudo, o Superministro saiu derrotado. Em embate com ruralistas, levou a pior ao ver Jair Bolsonaro tomando lado do agronegócio na questão da tarifa antidumping do leite.

A história resumida é a seguinte: sob o argumento de que a produção europeia de leite é subsidiada pelo governo e que a competição no mercado brasileiro seria desleal, o Brasil resolveu há algum tempo implementar uma tarifa antidumping para o leite em pó (entende-se dumping como a venda de produtos de um país a um preço inferior ao do mercado de outro país, visando prejudicar os produtos similares no local).

Acontece que a tarifa venceu no último dia 6 de fevereiro e a equipe econômica, alegando que “não houve comprovação da probabilidade de retomada de dumping nas exportações da União Europeia para o Brasil de leite em pó”, optou por extinguir a medida ao não renová-la.

A repercussão foi bastante negativa entre os produtores brasileiros de leite. Logo, a ministra da Agricultura e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS), criticou a retirada da tarifa e afirmou que a ação colocava em risco os produtores brasileiros. O custo Brasil seria muito caro e não existiriam condições de competir com o leite do estrangeiro.

No fim, Jair Bolsonaro interveio para restabelecer a proteção ao setor, por meio do aumento do imposto de importação - de 28% para 42% - cobrindo a diferença decorrente da tarifa extinta.

Na mesa, tínhamos duas forças antagônicas. De um lado, Guedes e a abertura comercial, uma das premissas do liberalismo econômico. A ideia de retirar a taxa e, assim, incentivar a importação de produtos estrangeiros é para forçar a produção local a se modernizar e aumentar a produtividade, a fim de ganhar competitividade para com seus concorrentes.

Do outro lado, o agronegócio e sua postura protecionista para o setor: caso o produtor local - principalmente os pequenos e médios - não usufrua de condições especiais, como juros subsidiados e tarifas onerando a importação, ele será engolido pelo mercado.

Apesar ser mais favorável à linha de Guedes, reconheço que não existe fórmula econômica certa ou errada para lidar com o dilema. Cada setor tem seu funcionamento próprio e precisa ser estudado mais a fundo.

Uma coisa, porém, é certa: com o aumento da importação, Bolsonaro errou ao afirmar que “todos ganham, especial os consumidores do Brasil”.

Os maiores perdedores dessa história toda são os consumidores. A opção por continuar protegendo o mercado local frente ao internacional não permite uma concorrência pura que, caso ocorresse, baixaria os preços na ponta. Pagaríamos, portanto, mais barato por um leite de melhor qualidade.

Somos nós os maiores perdedores até porque não temos, pragmaticamente, nenhum poder de decisão no governo Bolsonaro. Agora imagine como está Paulo Guedes, outro que sofreu revés nesse episódio, vendo seus planos econômicos esbarrando em lobby de outros grupos aliados. Se esse tipo de veto se tornar moda, de super o ministro nada mais terá.

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