Tecnicamente Falando: Mercado Percebeu que Não Terá Mais Ajuda

 | 24.09.2020 15:30

Na semana passada, fizemos a seguinte indagação: será tudo já está precificado?

Na segunda-feira, o mercado percebeu que não terá mais ajuda diante da clara piora no cenário político.

Entretanto, precisamos voltar um pouco para discutir como chegamos até aqui. Em meados de agosto, escrevemos “Quase, mas quase não vale”, que falou sobre a possibilidade de uma correção do mercado em razão dos posicionamentos extremos nos mercados. Dissemos o seguinte:

“Com os mercados sobrecomprados em diversos indicadores, existe o risco de queda até o fim do mês. Esses riscos vêm de diversas frentes que discutiremos oportunamente. Entretanto, do ponto de vista técnico, o risco de queda é de cerca de 5,6% para a MMD 50 e de 9,4% para a MMD 200. (Exibido acima)

Um declínio de 5-10% em qualquer ano não está fora do padrão. Mas, como os investidores praticamente se esqueceram do que significa uma queda, uma derrapada de 5-10% parecerá pior do que realmente é”.

Naquele momento, parecia haver poucas coisas com que se preocupar. O Federal Reserve prosseguia com sua política acomodatícia nos mercados, e as expectativas de um suporte monetário adicional eram altas, assim como as expectativas de que o congresso americano não tardaria em aprovar mais medidas fiscais para apoiar a economia em recessão.

Mais dinheiro significava mercados em alta, daí o viés especulativo.

Como declarei naquela oportunidade, o mercado estava sobrecomprado em diversos indicadores, o que geralmente coincide com correções e picos de mercado. Essa condição sobrecomprada, combinada com o intenso posicionamento especulativo dos investidores, era o combustível necessário para uma correção.

Só era necessário um catalisador para desencadear a venda.

Relembrando 2016

Gostei da nota escrita por David Rosenberg ontem sobre a atual correção: XLB

“O mercado acionário passou por uma mudança de caráter, entrando em uma fase corretiva muito maior do que a ocorrida em junho, quando os valuations, momentum, alavancagem e sentimento eram menos extremados do que no período atual.”

Na semana passada, fiz uma lista de preocupações relativas ao mercado, com claro potencial de pressionar a queda. Uma delas, em particular, foi a falta de um estímulo fiscal maior por parte do congresso.

No fim de semana, conforme o vídeo abaixo, um conjunto de eventos revigorou essas preocupações.

A morte da juíza Ruth Bader Ginsberg, da Suprema Corte, ensejou um replay do falecimento da juíza Scalia, em 2016. Naquela oportunidade, o presidente Obama queria indicar uma substituta para Scalia, mesmo faltando apenas alguns meses para as eleições presidenciais. O congresso iniciou um debate acalorado sobre se um juiz deveria ser selecionado tão perto de uma eleição. Esse debate voltou à balia, agora com o presidente Trump querendo indicar um substituto para Ginsberg o mais rápido possível. Mas o congresso controlado pelos democratas está resistindo e tentando adiar a indicação até o fim da eleição.

Politicamente, trata-se de uma indicação extremamente relevante. Como o cargo de juiz da Suprema Corte é vitalício, se o presidente Trump colocar mais um ministro “conservador” no tribunal mais importante do país, as decisões referentes a causas mais liberais poderiam sofrer obstáculos por uma ou várias décadas.

Colisão de eventos

Por que isso é importante para o mercado? Porque o congresso está enfrentando três diferentes eventos que lhe tiraram o foco do apoio financeiro adicional à economia.

  1. Com a rápida aproximação da eleição, o congresso não quer aprovar um apoio fiscal para ajudar outro candidato presidencial. É por isso a Câmara e o Senado estão travando um duelo legislativo.

  2. O mês de setembro encerra o ano fiscal de 2020 do congresso. Esse auxílio dependeria de orçamento ou outra resolução de continuidade para financiar o governo e evitar outro “shutdown”.

  3. Por fim, a morte da juíza RBG fará com que todo o Partido Democrata, que controla a Câmara, se concentre em impedir que o presidente Trump indique um substituto antes da eleição. Tudo o que Trump precisa é de uma maioria simples no Senado para confirmar um juiz de sua preferência.

A percepção de que não haveria mais um suporte financeiro afetou as operações que apostavam na reflação econômica ontem.

“Um tema comum hoje foi a saída das operações de reflação. Os mercados esperavam um suporte fiscal adicional do congresso. Mas, com a eleição se aproximando, a necessidade de negociar um orçamento para evitar um ‘shutdown’ e agora a batalha em torno de uma juíza da Suprema Corte, as chances de haver um acordo fiscal são minúsculas.

Observando o XLB , a liquidação de ontem reflete a saída das operações que apostavam na reflação. Veremos o mesmo nos setores Industrial e de Transporte, que devem cair mais de 3%.”

Em suma, tudo isso representa um problema que os mercados descobriram na segunda-feira pela manhã: o suporte fiscal já era.

Ação do Fed é limitada

Na reunião do Fomc de setembro, Jerome Powell fez uma declaração crítica que passou por alto pela maior parte da mídia mainstream.

O presidente do conselho do Federal Reserve, Jerome Powell, alertou na quarta-feira que a falta de suporte fiscal do congresso e do presidente Trump poderia prejudicar a economia norte-americana, abalada pela pandemia de coronavírus.

Se não houver um avanço no assunto, se não houver um suporte adicional e se não houver emprego para as pessoas de setores profundamente afetados pela crise sanitária, os danos começarão a aparecer na atividade econômica. Inclusive em ações de desapropriação e execução judicial de hipotecas, além de outros fatores que devem deixar sequelas na economia.” – The Hill

O Federal Reserve está tentando fechar o buraco que caberia à política fiscal preencher. Mas a capacidade do Fed de expandir os programas atuais é limitada à emissão adicional de dívida pelo departamento de tesouro americano. Sem outra medida de “alívio fiscal”, nenhuma emissão de dívida será suficiente para dar suporte a outra rodada de intervenções do Fed.

Atualmente, o Federal Reserve está dando continuidade à flexibilização quantitativa ao ritmo de US$ 120 bilhões ao mês, mas grande parte desse montante se refere apenas à substituição de títulos que estão vencendo. Como mostramos abaixo, o balanço do Fed está estagnado desde junho, assim como os diversos programas de estímulo.