De rio poderoso a fio de água barrenta, Paraná aciona alarme climático

Reuters

Publicado 27.10.2021 10:15

Por Lucila Sigal e Daniela Desantis

CHARIGUE, Argentina (Reuters) - Gustavo Alcides Díaz, pescador e caçador argentino de 40 anos e morador de uma ilha margeada por um rio, está em casa na água. Antigamente, o Rio Paraná banhava as margens próximas de sua casa de palafitas de madeira, que ele alcançava de barco. Os peixes lhe davam alimento e renda, e ele destilava a água do rio para beber.

Agora, ele contempla um fio de água barrenta.

O Paraná, o segundo maior rio da América do Sul, só atrás do Amazonas, atingiu neste ano seu menor nível desde a baixa recorde de 1944, afetado por secas cíclicas e chuvas minguantes em sua foz brasileira. A mudança climática só piora estas tendências.

O declínio da hidrovia, que conecta uma parcela enorme do continente, afeta comunidades ribeirinhas como a de Díaz, atrapalha o transporte de grãos na Argentina e no Paraguai e contribui para um aumento dos incêndios florestais, prejudicando sistemas de pântanos.

"Isto é histórico. Nunca o vi tão baixo em toda minha vida", disse Díaz em sua casa de Charigue, cerca de 300 quilômetros correnteza acima em relação à capital Buenos Aires, lamentando o impacto nos estoques de peixe e de água doce. "Quando tudo seca, a água apodrece."

A crise do Paraná é um dos muitos dramas surgindo em todo mundo em decorrência da mudança climática global, ligada à queima de combustíveis fósseis e às emissões de gases de efeito estufa.

Líderes mundiais devem se reunir na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26) em Glasgow, na Escócia, a partir de 31 de outubro em meio a alertas de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre transtornos relacionados ao clima pelas próximas décadas, senão séculos.

O Paraná nasce no sul do Brasil, serpenteia através de cerca de 4.880 quilômetros pelo Paraguai e pela Argentina até chegar ao Oceano Atlântico. Ele é uma hidrovia vital para a pesca e as remessas comerciais, fornece água potável a milhões de pessoas, impulsiona hidrelétricas e apoia uma biodiversidade rica.

Bilhões de dólares de commodities agrícolas, como soja, milho e trigo, são transportadas para portos ao longo do Paraná para serem enviadas a todo o mundo. Ele dá vazão a cerca de 80% das exportações agrícolas da Argentina, mas agora algumas transportadoras estão estudando movimentar bens por terra devido aos níveis de água reduzidos.

Em alguns momentos deste ano, o fluxo do Paraná diminuiu para pouco mais da metade de seu volume normal. Imagens de satélite mostram claramente o quanto o rio recuou.

O clima seco que provoca o declínio do rio se deve em parte a um ciclo natural de longo prazo de padrões climáticos que está sendo agravado pelo aquecimento global, pela queima em pântanos e pela construção de represas de hidrelétricas --todos coincidindo com o fenômeno oceano-atmosférico natural conhecido como La Niña, que diminui os níveis das chuvas, disse o agrônomo e especialista do clima Eduardo Sierra.

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O ciclo seco mais abrangente poderia durar décadas, forçando um reajuste para comunidades, agricultores e transportadoras, acrescentou Sierra.

"Isto é um evento que acontece duas vezes a cada século", disse ele, que também é conselheiro da bolsa de grãos de Buenos Aires, referindo-se ao declínio do rio.

"Também temos uma causa humana, que é o aquecimento global, que está acentuando todas as variações do clima", acrescentou Sierra, observando que a atividade humana, inclusive a construção de represas, também "impacta a capacidade do rio de se autorregular".