BC mostra preocupação com arcabouço fiscal, mas faz aceno a medidas de Haddad

Reuters

Publicado 07.02.2023 08:19

Atualizado 07.02.2023 10:45

Por Bernardo Caram

BRASÍLIA (Reuters) - Em meio a ataques do governo ao nível de juros no país e à condução da política monetária, o Banco Central reafirmou preocupação com o quadro das contas públicas, mas fez um aceno ao pacote de medidas fiscais apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada nesta terça-feira, o BC avaliou que a revisão do arcabouço fiscal do país diminui a visibilidade sobre as contas públicas e impacta as expectativas de inflação, enfatizando que seguirá acompanhando os impactos de estímulos fiscais sobre a atividade e os preços.

O documento ponderou que membros do Copom notaram que a execução do pacote de medidas apresentado pelo Ministério da Fazenda deveria atenuar o risco fiscal e que será importante acompanhar sua implementação.

"O Comitê manteve sua governança usual de incorporar as políticas já aprovadas em lei, mas reconhece que a execução de tal pacote atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação", afirmou.

O Ministério da Fazenda apresentou em janeiro uma série de medidas para melhorar o quadro das contas públicas. A pasta ainda pretende apresentar uma proposta de arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos, mas nenhum detalhe foi divulgado nessa área até o momento.

Após a divulgação da ata, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o documento menciona pontos importantes do trabalho do governo e é mais amigável.

Em um recado ao governo, o BC afirmou que estímulos de demanda devem ser avaliados considerando o estágio do ciclo econômico e o grau de ociosidade na economia, destacando que a política monetária é a variável de ajuste usada "para mitigar os efeitos porventura inflacionários da política fiscal".

Análise da equipe de economia do Banco Original afirma que a ata reforça a mensagem do comunicado da semana passada, mas apresenta pontos que podem ser lidos como uma tentativa de manter pontes entre o BC e o governo.

“A postura do Copom sugere que existe um certo espaço para conversa com a Fazenda e suas medidas políticas”, diz a nota do banco. “É extremamente relevante como o comitê dá o 'benefício' da dúvida para o pacote fiscal comunicado por Haddad”.

LENIÊNCIA DO BC

A ata reforçou mensagem do comunicado da semana passada ao afirmar que o Comitê notou com especial preocupação a deterioração das expectativas de inflação de prazos mais longos.

"Tal deterioração pode ter ocorrido por diversas razões, destacando-se, dentre esses fatores, uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional, uma política fiscal expansionista, que pressione a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas", disse.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito reiteradas críticas à condução da política monetária pelo BC, tendo reclamado do nível da Selic e tratado a independência formal da autarquia como “bobagem”, além de questionar se a meta de inflação não está baixa demais, forçando uma deterioração da atividade econômica.

O BC decidiu manter a Selic em 13,75% ao ano em reunião na semana passada, quando endureceu o tom de seu comunicado, demonstrando preocupação com a desancoragem das expectativas e indicando que poderá ser necessário manter os juros em patamar elevado por mais tempo que o estimado pelo mercado.

Em relação ao que chamou de "percepção de leniência" do BC com as metas, a autarquia disse que reafirma compromisso em buscar as metas e avalia que é necessário se manter ainda mais atento diante da desancoragem de expectativas.

O documento enfatizou que o aumento das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação ao exigir maior participação de outros canais da política monetária e uma maior abertura do hiato do produto para se obter uma mesma queda de inflação.

A ata afirmou que o hiato --margem que a atividade tem para crescer até atingir sua capacidade máxima-- segue reduzido, embora tenha sido observada uma desaceleração da economia, do crédito e do mercado de trabalho.

O BC ressaltou que membros do Copom levantaram a hipótese de incorporar em seu cenário uma elevação da taxa neutra de juros, em direção ao movimento observado nas expectativas de mercado. A autarquia acabou optando por mantê-la em 4%, mas disse ter estudado cenários alternativos.

A taxa real neutra de juros é aquela que não estimula nem contrai a economia. Uma elevação em seu patamar significa, na prática, que o BC precisaria de uma dose adicional de juros para esfriar a atividade e cumprir seu objetivo de levar a inflação à meta.

Para o Copom, os impactos de uma elevação da taxa neutra sobre suas projeções crescem no tempo e passam a ser mais relevantes a partir do segundo semestre de 2024 --atual foco de atuação da política monetária.

Na semana passada, o BC piorou suas estimativas para a inflação, calculando a inflação no cenário de referência em 5,6% para 2023 (contra 5,0% na reunião anterior) e 3,4% em 2024 (ante 3,0%).