Selic a 2,75%: “Não é exagerado, é errado”, diz economista-chefe do Fator

Investing.com

Publicado 18.03.2021 14:03

Atualizado 18.03.2021 14:30

Por Ana Carolina Siedschlag

Investing.com - A alta de 0,75 ponto percentual da taxa básica Selic na reunião do Comitê de Política Monetária desta quarta-feira (17) foi errada e mal justificada pelo Banco Central, disse José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, em entrevista ao Investing.com.

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Ontem à noite, o Comitê de Política Monetária do BC brasileiro elevou a taxa básica de juros para 2,75%, no primeiro aperto monetário em quase seis anos e acima do consenso de 0,50 ponto percentual esperado pelo mercado, incluindo Gonçalves.

No comunicado, a autoridade monetária escreveu que indicadores recentes, em particular a divulgação do PIB do quarto trimestre, continuaram indicando “recuperação consistente da economia”, a despeito da redução dos programas de recomposição de renda.

Mas, também colocaram, a implementação de medidas mais restritivas visando o combate à disseminação do coronavírus pode prejudicar a trajetória fiscal e, assim, elevar o prêmio de risco. Nesse caso, a pressão seria altista para o risco de inflação.

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Para Gonçalves, a alta acima do esperado trouxe pontos “questionáveis”, que levaram o BC a “exagerar muito nas tintas” para justificar o aumento dentro do regime de meta de inflação que, para ele, parece estar em dúvida.

Confira a entrevista completa a seguir:

Investing.com: O senhor esperava uma alta de 0,50 ponto porcentual, mas o BC veio com 0,75. Acha que foi um movimento exagerado?

José Francisco de Lima Gonçalves: Eu não chamo de exagerado, chamo de errado. Foi se formando uma convicção no mercado de que os juros estavam subindo por força do choque de câmbio e do efeito da inflação. Além disso, tinha a percepção do risco fiscal. Isso foi forçando a barra na curva de juros, de modo que pressionou o BC a subir a Selic. Mas é aí que entra a grande discussão: uns dizem que é para conter a atividade econômica, outros dizem que é para segurar o câmbio.

Segurar a atividade econômica não faz sentido porque não tem atividade econômica para segurar. Por isso eu achei muito ruim o BC ter escrito que existe “uma consistente recuperação da economia”. A palavra “consistente” é deles. Acho muito ruim porque o regime de metas, que é o que está em vigor, é um regime de meta de inflação e isso pressupõe uma avaliação da atividade econômica - que não está em recuperação consistente, nem agora, nem pelo que se indica à frente.

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Inv.com: Sobra o câmbio.

JG: O que sobra é tentar pegar o câmbio. Se os juros lá fora estão subindo, o diferencial de juros vai abrir, então é preciso reduzir essa diferença subindo juros aqui. Essa reação tem sentido quando se olha para a relação dólar/real, mas o regime é de meta de inflação, não de câmbio. O câmbio é olhado como uma medida de incerteza, e não de inflação.

Em junho de 2018, houve a crise financeira na Turquia, e o Brasil, por também ser um emergente, foi afetado, então puxou o dólar aqui. Em julho, ficou evidente que o governo Macri [da Argentina] não ia entregar nada, de modo que isso afetou o nosso câmbio e o nosso risco. Em agosto, houve pesquisa eleitoral mostrando [o ex-presidente] Lula com 40% das intenções de votos. E o Ilan [Goldfajn, ex-presidente do BC] o tempo inteiro falando que era regime de inflação, não interessa se o câmbio sobe ou desce.

Eu não gosto de câmbio volátil, mas eu vou olhar para a inflação. O ambiente naquele segundo semestre era muito complicado, a maior parte das pessoas achava que o Copom ia subir juros, e não subiu.

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Inv.com: O que mudou?

JG: Dessa vez se afastou do combinado, olhou para o câmbio. Por isso, precisou exagerar muito nas tintas para justificar a alta em relação ao regime de metas. Quando dá 0,75 e avisa que vem mais 0,75 pela frente, o BC está tentando segurar o câmbio e, com isso, melhorar a perspectiva para ele daqui para frente. De uma certa maneira, se começar mais forte do que o esperado, o mercado reage, e o dólar está caindo em um dia em que, lá fora, o dólar está subindo. Mas o dólar também está caindo na Coreia, na Turquia e em outros emergentes, que não subiram juros hoje. Não é um movimento tão convincente.

Inv.com: E a curva de juros?

JG: Os juros, em vez de caírem, subiram. O que o BC quer quando sobe os juros? Ele quer que a curva de juros ceda, porque a curva indica quanto o mercado acha que a Selic vai ter que subir para a inflação ficar na meta. O dólar caiu, mas o mercado acha que a Selic tem que subir mais para a inflação ficar na meta. Ou seja, a Selic que ontem era necessária para manter a inflação na meta, depois da alta, precisa ser maior ainda.

Inv.com: Isso tem força para impactar a atividade?

JG: O grande ponto em relação à atividade é quanto às empresas que se endividaram ao longo do ano passado. Como a maioria é de curto prazo, a dívida é mais sensível a essas taxas. Essas empresas vão ter um pouco mais de dificuldade para pagar uma juros mais altos, até porque estarão faturando menos. O que eu sempre receei a respeito da virada da Selic é que pode piorar a atividade porque as pequenas e médias vão ter dificuldade.

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Inv.com: Isso poderia então ter a ver com as atuações do BC no câmbio nas últimas semanas, que não serviram muito para tirar a moeda das máximas?

JG: Quando o dólar sobe no mundo, é um movimento que não depende da gente. O juro americano sobe e o dólar sobe para o mundo. Não adianta brigar contra o desempenho global, só se a sua moeda estiver sofrendo mais que as outras. Acaba sendo uma medida que desestabiliza porque dá a impressão que o BC está vendo um câmbio pior do que eu estou vendo.

Inv.com: Isso quer dizer que houve um abandono do regime de metas?

JG: Eu fico muito incomodado com a situação do regime de metas. Não estou falando que é uma maravilha, mas ele tem regras e pressupostos. A impressão é que o BC está com um cenário pior do que o do mercado. O BC falava de risco fiscal e de ameaça ao regime fiscal, mas tiveram que desistir dessa formulação para começar a levar isso em conta dentro do regime de metas. Abriram mão de avaliar o risco fiscal, que seria muito complicado, e passaram a reagir ao mercado. Uma hipótese é que o BC vê um risco fiscal maior que o mercado estava vendo. Se for isso, toda a lógica do regime de metas foi para trás.

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