Reuters
Publicado 14.06.2021 09:43
Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - Analistas têm chamado a atenção para os riscos de o governo Bolsonaro, enfraquecido pela crise da pandemia e pressionado pela estreita janela de oportunidade antes do período eleitoral, insistir em avançar com versões modestas ou distorcidas de reformas vistas como cruciais pelo mercado.
A avaliação é que, ao gastar capital político votando projetos minguados em áreas como a tributária e administrativa, o país possa acabar por atrasar ainda mais a possibilidade de aprovar mudanças que de fato viabilizem progressos estruturais.
"Acho que precisamos ter projetos melhores para avançar e dar à sociedade os ganhos dessas reformas", afirmou a economista-chefe do banco JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, em webinar na última semana, ao defender que o mais adequado seria adiar para depois das eleições a tramitação dos projetos mais importantes.
Ela argumentou que as reformas tributária e previdenciária, por sua complexidade, demandam discussão ampla e a busca de consensos para garantir mudanças mais profundas. "Acho que você pode obter esse consenso na sociedade e aí você pode ter uma reforma bem mais forte e melhor."
Em artigos nos últimos dias, os economistas Marcos Mendes--pesquisador do Insper e ex-chefe da assessoria especial do Ministério da Fazenda no governo Michel Temer-- e Nilson Teixeira --sócio-fundador da gestora Macro Capital-- foram na mesma linha, defendendo a postergação das duas reformas.
O governo já acertou com o Congresso que, no caso da tributária, o plano é aprovar medidas de forma fatiada, começando com a votação na Câmara de um projeto infraconstitucional que unifica o PIS e a Cofins em um imposto sobre valor agregado (IVA) denominado CBS.
Apesar de avaliar que o ideal seria que o IVA eventualmente abarcasse também o tributo estadual ICMS --considerado a principal fonte dos problemas do sistema tributário--, a equipe econômica argumenta que, como a medida enfrenta muita resistência, a opção será por estabelecer um IVA federal que possa futuramente agregar tributos estaduais e municipais.
Para Mendes, do Insper, o risco é que o esforço resulte em medidas que "nada têm a ver com a reforma", como um novo Refis e a CPMF.
Um dos passos da proposta tributária do ministro Paulo Guedes envolve uma renegociação de dívidas tributárias. Sobre a CPMF, o ministro afirmou recentemente que "por enquanto" desistiu do polêmico imposto sobre transações.
Em entendimento fechado pelo governo com o presidente da Câmara, deputado Artur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), parte das medidas que compõem a reforma tributária começará a tramitar por uma das Casas e as demais, pela outra. Mas até o momento o governo ainda não encaminhou suas propostas, com exceção da CBS.
Já a reforma administrativa encaminhada ao Congresso, ainda em 2019, corta benefícios e propõe mudanças nas regras de estabilidade e progressão na carreira, mas apenas para os novos servidores públicos que venham a ser contratados. Ainda assim, deixa fora do alcance do projeto categorias como magistrados e parlamentares.
Críticos afirmam que, dado seu escopo limitado, a economia gerada pelo projeto não seria tão significativa e a reforma pode acabar contribuindo para perpertuar benefícios.
Rachel de Sá, analista de macroeconomia da XP, afirmou recentemente que a proposta para a reforma administrativa é tímida e que eventuais novas exceções nos termos do projeto podem torná-la "inócua".
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já aprovou a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, primeiro passo para que o texto tramite no Congresso.
Lira e Pacheco têm reiterado comprometimento com as duas reformas, mas, há um ano e quatro meses das eleições presidenciais, a pauta política no Congresso tem estado bastante dominada pela CPI da Covid, que investiga as responsabilidades dos gestores públicos na pandemia do coronavírus.
h2 ELETROBRAS/h2No caso do projeto de capitalização da Eletrobras (SA:ELET3), cujo texto aprovado na Câmara tem sido criticado por impor custos excessivos e de longo prazo aos consumidores, Fernandez apontou que há o risco adicional de sua implementação alimentar resistências mais amplas a processos de privatização.
"Eu temo que, se tivermos uma privatização ruim com aumento de preços para consumidores, você pode ter um efeito colateral de a sociedade dizer 'está vendo, eu disse que privatização é uma coisa ruim'. Esse seria o pior resultado possível", afirmou a economista em evento virtual organizado pelo Brazil-Florida Business Council.
Presente no mesmo evento, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, defendeu a agenda do governo e disse que 2021 será o ano das concessões e privatizações.
O relator da MP da Eletrobras no Senado, senador Marcos Rogério (DEM-RO), disse que apresentará seu parecer nesta semana. A MP tem que ser votado até o dia 22 de junho para não perder a validade.
Ao defender o adiamento das reformas complexas, um exemplo citado pelos economistas é o da reforma previdenciária. O projeto estava em tramitação no Congresso em 2017 quando, em maio daquele ano, o governo do então presidente Michel Temer sofreu forte abalo com a revelação de diálogo seu com um dos donos da holding J&F, que controla a JBS (SA:JBSS3).
Seriamente enfraquecido, o governo optou na ocasião por voltar o foco a projetos de menor envergadura. A reforma previdenciária acabou sendo aprovada no primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019.
Escrito por: Reuters
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