ENTREVISTA-PEC dos Precatórios institucionaliza pedalada fiscal e pode afugentar investidor, diz Maílson

Reuters

Publicado 12.08.2021 10:12

Por Isabel Versiani

BRASÍLIA (Reuters) - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encaminhada ao Congresso pelo governo para alterar as regras de pagamento dos precatórios fragiliza o arcabouço fiscal do país e corre ainda o risco de alimentar desconfianças entre investidores sobre a disposição do país de honrar seus compromissos, afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

Para o economista, sócio da consultoria Tendências, as regras de parcelamento dos precatórios, com a previsão de que parte dos pagamentos seja feita fora da regra do teto de gastos e sem passar pelo Orçamento, institucionaliza a chamada "pedalada fiscal" --prorrogação artificial de despesas obrigatórias.

"É surreal. Isso é, na linguagem dos anos recentes, pedalada, é esconder uma despesa do conhecimento público", diz Maílson.

"É bom lembrar que (a ex-presidente) Dilma Rousseff perdeu o mandato por uma pedalada fiscal. Agora o governo Bolsonaro propõe a pedalada fiscal formal, vai constar na Constituição."

Ele ressalta também que a equipe econômica comete um equívoco grave ao tratar os precatórios como um compromisso de "segunda categoria", propondo unilateralmente a prorrogação dos pagamentos dessas obrigações, que são requisições de pagamentos expedidas pela Justiça após o governo ser derrotado em processos judiciais.

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"Na verdade ela tem uma categoria exatamente igual à da dívida pública, é um crédito líquido e certo, reconhecido por sentença judicial", diz Maílson.

"Dirá o investidor estrangeiro, por exemplo, 'se eles dizem que não pagam o valor integral dos precatórios, será que daqui a pouco eles vão fazer isso com a NTN de 30 anos? Porque o ministro é o mesmo'", acrescenta, em referência ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

Encaminhada nesta semana ao Congresso, a PEC propõe dividir em dez parcelas o pagamento dos precatórios de mais de 66 milhões de reais. O texto também impõe uma limitação provisória dos pagamentos anuais de precatórios a 2,6% da receita corrente líquida, o que também sujeitará precatórios entre 66 mil reais e 66 milhões de reais a eventual parcelamento.

A PEC cria, ainda, um fundo alimentado por receitas de dividendos, concessões e outros ativos, que seriam direcionadas ao pagamento de dívida pública e à "antecipação" de parcelas dos precatórios parcelados. Esses recursos não seriam contabilizados no Orçamento nem entrariam na regra do teto de gastos, que limita o crescimento global das despesas à variação da inflação.

Com as medidas, o governo ganha espaço fiscal para realizar outras despesas, incluindo o reajuste no programa Bolsa Família --rebatizado de Auxílio Brasil-- já anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro.

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Maílson afirma que, se no ano passado o mercado reagiu bem à exclusão do teto de gastos de despesas relacionadas ao enfrentamento da pandemia, isso pode ser diferente desta vez. "Agora o calote está sendo dado para viabilizar a eleição do Bolsonaro", diz.

O ex-ministro também critica a "ausência total de transparência" em se ter receitas e gastos públicos transitando por fora do Orçamento, e portanto à margem do escrutínio da sociedade e do Congresso, destacando que isso viola o princípio da legitimidade do Orçamento.

"Tenho esperança que o Congresso rejeite essa PEC. Se não, é muito provável que caia no Judiciário", resume Maílson, lembrando que o Supremo Tribunal Federal já derrubou outras iniciativas de alteração nas regras dos pagamentos dos precatórios.

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Por trás do imbróglio dos precatórios, cujo crescimento, ainda que previsível, de fato contribui para comprimir o espaço para outras despesas relevantes, está a dificuldade de o governo equacionar seu Orçamento sob as regras do teto de gastos, diz Maílson.