Melhora de perspectiva fiscal após 1° turno é impulso para o real, mas caminho pode ser acidentado

Reuters

Publicado 03.10.2022 13:40

Atualizado 03.10.2022 17:45

Por Luana Maria Benedito

SÃO PAULO (Reuters) - O dólar despencou frente ao real nesta segunda-feira, em reação inicial muito positiva dos mercados ao desempenho melhor do que o esperado do presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno das eleições, mas especialistas alertavam para um caminho acidentado à frente para o câmbio, conforme investidores tentam avaliar as perspectivas para a agenda econômica e fiscal doméstica em meio a cenário internacional cada vez mais desafiador.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o mais votado no pleito de domingo, com 48,43% dos votos válidos, mas Bolsonaro superou o que era estimado pelas principais pesquisas de opinião e somou 43,20%.

Numa demonstração de força adicional do atual presidente, mais da metade das 27 vagas em jogo no Senado foram levadas por candidatos declaradamente bolsonaristas, enquanto aliados de Bolsonaro também garantiram vitória já no primeiro turno para os governos de Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal.

Na esteira desse resultado, a moeda norte-americana à vista tombou mais de 4% nesta sessão, a 5,1770 reais, registrando sua maior queda diária desde o recuo de 5,6% registrado em 8 de junho de 2018. Na ocasião, a divisa norte-americana foi abatida por intervenção do Banco Central no câmbio e teve seu tombo mais expressivo desde outubro de 2008.

Sinal da euforia dos investidores locais, o Ibovespa fechou em alta de mais de 5%, enquanto os principais contratos de DI negociados no mercado futuro de juros caíram acentuadamente na curva de janeiro de 2025 a janeiro de 2027.

"A performance de Bolsonaro mais forte do que o esperado tanto na eleição quanto no Senado/Congresso é positiva para os mercados", avaliaram estrategistas do Citi em relatório desta segunda-feira. "Embora um segundo turno entre os dois candidatos fosse amplamente esperado, a composição do Legislativo obrigará Lula a moderar."

Investidores têm se mostrado temerosos sobre a intenção de Lula, muito alardeada durante sua campanha, de suspender o teto de gastos caso seja eleito.

O instrumento, tido como principal âncora fiscal do país, já que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação, já foi flexibilizado sob o próprio governo de Bolsonaro no final do ano passado, pela PEC dos Precatórios, e, neste ano as despesas com o aumento do Auxílio Brasil foram excepcionalizadas do limite do teto.

O economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, afirma que, com um Senado mais alinhado à direita no campo econômico, a avaliação é que se cria uma linha maior de defesa de pautas pró-austeridade.

Para Matheus Pizzani, economista da CM Capital, mais do que uma reação às perspectivas para a agenda fiscal, o desempenho dos mercados nesta segunda-feira está muito ligado aos "pilares da política econômica" do atual presidente, que, na visão do especialista, devem permanecer ao longo de eventual segundo mandato.

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"A gente está falando especificamente da política de privatizações e concessões. A tendência é que outras empresas relevantes do governo possam ser privatizadas, e existem empresas bem significativas: Correios, bancos públicos e mais", disse.

Ainda assim, Pizzani alerta para o risco de volatilidade bem significativa do mercado de câmbio à frente, com investidores prestando mais atenção às pesquisas de intenção de voto diante da perspectiva de um segundo turno disputado.

O economista também citou as incertezas sobre eventual equipe econômica de Lula --que ainda levou vantagem sobre Bolsonaro no domingo, apesar de a margem ter sido menor do que o esperado. Os mercados tem reagido positivamente a especulações sobre possível nomeação do liberal e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles para chefiar a pasta econômica do petista, mas fontes próximas a Lula disseram na sexta-feira ver poucas chances de essa indicação se concretizar.

Marcos Almeida, diretor da WIT Exchange, espera que o dólar oscile entre 5,15 e 5,30 reais ao longo do próximo trimestre e mostre volatilidade, conforme investidores aguardam sinalizações sobre a configuração das equipes econômicas dos possíveis novos governos.

DESAFIOS EXTERNOS

A tensão que pairará sobre os mercados ao longo do mês será potencializada ainda pelo cenário internacional complexo.

A maré externa começou a piorar de forma expressiva neste ano depois que os bancos centrais de países desenvolvidos passaram a adotar tom mais duro em suas comunicações de política monetária, sinalizando altas sequenciais de juros mesmo diante de temores crescentes de recessão.

O Federal Reserve, por exemplo, já subiu sua taxa básica em 3 pontos percentuais desde março deste ano, o que tem desencadeado temores de recessão global, impulsionando um índice do dólar contra uma cesta de partes fortes a picos em duas décadas.

"Até onde vão os juros do mundo e o quanto que isso pode sugerir de probabilidade de recessão --acho que essa é a grande história numa janela maior de tempo", disse Caruso, do Banco Original. Ele espera que o dólar encerre 2022 em 5,25 reais.

DESTAQUE POSITIVO

Embora siga bem longe das maiores cotações do ano, o real foi absoluto destaque positivo nos mercados globais de câmbio até agora em 2022, conforme sinais de resiliência da economia brasileira aliados a um retorno potencial na renda fixa cada vez maior --em meio a um agressivo ciclo de aperto monetário doméstico-- estimularam apostas de fluxo de investimento ao país.

Essa perspectiva de maior entrada de dólares no país foi fortalecida pela guerra da Rússia na Ucrânia, que provocou uma disparada nos preços de matérias-primas dos quais o Brasil é exportador. Isso elevou os chamados termos de troca --em síntese, razão entre preços de exportações e importações--, deixando o real ainda mais em evidência entre seus pares.

Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter (BVMF:BIDI4), afirma que, apesar do bom desempenho do real, a melhora da economia não estava totalmente precificada nos ativos brasileiros por conta dos riscos.