ENTREVISTA-BNDES avança em concessões de saneamento, mas teme retrocesso regulatório

Reuters

Publicado 31.01.2020 13:38

Por Isabel Versiani

BRASÍLIA (Reuters) - A conclusão este ano pelo BNDES de programas de desestatização estruturados de quatro companhias estaduais de saneamento vai garantir a solução dos problemas de água e esgoto para milhões de brasileiros ao longo dos próximos 35 anos, avaliou o diretor de Infraestrutura do banco, Fábio Abrahão, que também estima a maior parte de melhorias e investimentos para a próxima década.

Sua preocupação, contudo, é que para boa parcela do país os avanços na área sofram atrasos de décadas se o texto do marco regulatório do saneamento aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro não sofrer ajustes.

O texto do projeto, que ainda será apreciado pelo Senado, facilita a desestatização das empresas de saneamento e determina a exigência de licitação para a contratação desses serviços, na linha do que defende o governo, mas estabelece que os atuais contratos poderão seguir em vigor até março de 2022, com a possibilidade de serem renovados nesse intervalo por um período de até 30 anos.

"No fundo você condenou mais uma geração", disse Abrahão em entrevista à Reuters. Segundo o diretor, pelas regras aprovadas, que determinam que as companhias devem ter um tempo para mensurar a adequação a critérios financeiros e operacionais que possibilite a renovação, a implantação de um modelo concorrencial na prática pode só começar a acontecer em 35 anos.

"Quando você pega os números do Brasil, em que metade da população não tem esgoto tratado, é ridículo, não faz nenhum sentido", afirmou.

As concessões que estão sendo modeladas pelo BNDES não dependem da nova lei, disse Abrahão. Segundo ele, o Estado de Alagoas é o que está hoje com o processo de concessão mais avançado. O modelo, que já foi à consulta pública, prevê a concessão dos serviços de distribuição de água e do tratamento de esgoto, com a Companhia de Saneamento de Alagoas permanecendo como responsável pela captação e tratamento da água.

O investimento total previsto no projeto é de 2,56 bilhões de reais e uma das metas é elevar a cobertura do serviço de esgoto no Estado de 22,7% para 90% em até 16 anos.

Acre e Amapá são os próximos Estados que devem privatizar seus serviços de água e saneamento, em programas de concessões plenas que preveem investimentos de 5,5 bilhões de reais.

"Muitas vezes, fala-se que é impossível fazer uma modelagem (de concessão) para Estados que têm populações rurais, populações dispersas, você não gera escala. Mas é possível, a gente está conseguindo fazer isso", afirmou Abrahão, acrescentado que os projetos serão atrativos para o investidor, despertando concorrência, e alinhados à demanda pela universalização dos serviços.

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CEDAE

A privatização da Cedae, companhia de água e esgoto do Rio de Janeiro, foi prevista no regime de recuperação fiscal acertado com a União em 2017 como uma das condições para o socorro financeiro concedido ao Estado. Segundo Abrahão, a concessão está prevista agora para o último trimestre deste ano. Os investimentos previstos são de 32,5 bilhões de reais, sendo 20,7 bilhões de reais em esgoto e 11,5 bilhões de reais em água.

A companhia começou o ano com uma crise de qualidade de água, com moradores de diversos bairros da capital do Estado e da Baixanda Fluminense reportando que estão recebendo em suas residências água com alterações de cor e cheiro. O diretor de Saneamento da empresa foi demitido, e a polícia abriu inquérito para investigar a situação, que persiste.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também já está em conversas iniciais com os governos de Rondônia e Roraima sobre alternativas de modelagem para a concessão de seus serviços, diz Abrahão, acrescentando que outros Estados estão começando a procurar o banco para discutir alternativas para suas companhias. "Até o final do ano teremos muita coisa nova", afirmou, sem revelar quais outros governos estaduais procuraram o banco.

A carteira total de investimentos previstos nas concessões de infraestrutura de União, Estados e municípios estruturadas pelo banco está em cerca de 180 bilhões de reais, e a expectativa é que alcance a casa dos 200 bilhões de reais no final deste trimestre.

Abrahão faria, com o ministério da Infraestrutura, um road show para divulgar os projetos na China e Oriente Médio nas próximas semanas, mas a viagem está temporariamente suspensa por causa das medidas tomadas pelo governo chinês em função do surto de coronavírus. O diretor do BNDES diz não temer, contudo, que a crise do vírus prejudique as desestatizações do Brasil, argumentando que os projetos são todos de longo prazo.

MODELO DISFUNCIONAL

A Constituição brasileira estabelece que o direito de conceder serviços de saneamento é dos municípios. A maioria das companhias de água e esgoto, contudo, é estadual e atende as cidades por meio de arranjos que muitas vezes não envolvem contratos, ou envolvem contratos sem metas definidas.

Para Abrahão, a experiência mostrou que o modelo é disfuncional. "Essas companhias passaram por governos em crise econômica, em bonança econômica, com folga fiscal, sem folga fiscal, governos de direita, de esquerda, de centro, e nunca funcionaram", afirmou.

O marco regulatório aprovado na Câmara acaba com os chamados contratos de programa e estabelece que o serviços devem ser contratados por meio de chamamento público. O texto também estabelece que a Agência Nacional de Águas (ANA) passa a ter competência para estabelecer diretrizes técnicas que devem ser seguidas em todo o país.