Vale sabia que barragem em Brumadinho tinha risco elevado de colapso

Reuters

Publicado 12.02.2019 08:07

Vale sabia que barragem em Brumadinho tinha risco elevado de colapso

Por Stephen Eisenhammer

BELO HORIZONTE (Reuters) - A Vale (SA:VALE3), maior produtora global de minério de ferro, estava ciente no ano passado de que a barragem de rejeitos que entrou em colapso no mês passado, matando pelo menos 165 pessoas, tinha um risco elevado de ruptura, segundo um documento interno visto pela Reuters na segunda-feira.

O relatório, datado de 3 de outubro de 2018, mostra que, segundo a própria Vale, a barragem da mina de minério de ferro Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), tinha duas vezes mais chance de se romper do que o nível máximo tolerado pela política de segurança da empresa.

O documento é a primeira evidência de que a própria Vale estava preocupada com a segurança da barragem.

Isso levanta a questão de por que uma auditoria, realizada na mesma época, garantiu a estabilidade da barragem e por que a mineradora não tomou precauções, como mover um refeitório localizado logo abaixo da estrutura que se rompeu.

A Vale disse que o relatório, chamado de "Geotechnical Risk Management Results", compreendia as opiniões de engenheiros especialistas, que são obrigados a trabalhar dentro de procedimentos rigorosos quando identificam quaisquer riscos.

"Não existe em nenhum relatório, laudo ou estudo conhecido qualquer menção a risco de colapso iminente da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho", disse a Vale em uma nota por e-mail.

"Pelo contrário, a barragem possuía todos os certificados de estabilidade e segurança, atestados por especialistas nacionais e internacionais."

A Vale perdeu cerca de um quarto de seu valor de mercado, ou quase 19 bilhões de dólares, desde a tragédia.

O colapso da barragem ocorreu em 25 de janeiro e foi a mais mortal tragédia de mineração do Brasil e o segundo desastre envolvendo uma barragem de rejeitos de minério de ferro em pouco mais de três anos no país.

"ZONA DE ATENÇÃO"

O relatório interno da companhia de outubro de 2018 colocou a barragem da mina Córrego do Feijão dentro de uma "zona de atenção", dizendo que "deve ser assegurado que todos os controles de prevenção e mitigação estejam sendo aplicados".

A barragem foi marcada para descomissionamento. Um fracasso poderia custar à empresa 1,5 bilhão de dólares e teria o potencial de matar mais de cem pessoas, segundo o relatório.

Outras nove barragens, das 57 que foram estudadas, foram colocadas na zona de atenção, de acordo com o relatório.

Um outro relatório da Vale datado de 15 de novembro de 2017, também visto pela Reuters, afirma que qualquer estrutura com uma chance de falha acima de 1 em 10.000/ano deve ser levada à atenção do presidente-executivo e do Conselho de Administração.

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A barragem de Córrego de Feijão tinha uma chance de colapso duas vezes maior que o "nível máximo de risco individual" tolerável, ou 1 em 5.000/ano, segundo o relatório.

"Isso não é bom na minha opinião, especialmente se você considerar que essas estruturas são de longo prazo", disse David Chambers, geofísico do Centro de Ciência em Participação Pública, em Montana, e especialista em barragens de rejeitos.

A mineradora disse em seu comunicado por e-mail que "a criação de um alerta para a alta gestão, sugerida em novembro de 2017, passou a ser estudada dentro do contexto da integração do risco geotécnico ao risco dos negócios da Vale".

Perguntada sobre o que veio dessa discussão, a Vale disse que tal alerta não havia sido implementado.

SOB INVESTIGAÇÃO

A Vale disse que as causas da ruptura ainda estão sendo investigadas. A empresa afirmou repetidamente que a barragem foi declarada como sólida por um auditor independente em setembro.

A auditoria da alemã TÜV SÜD, que foi vista pela Reuters, disse que a represa atendeu as exigências legais mínimas de estabilidade, mas levantou uma série de preocupações, particularmente sobre os sistemas de drenagem e monitoramento da represa.

O auditor fez 17 recomendações para melhorar a segurança da barragem.

A Vale disse que as recomendações eram rotineiras e que a empresa atendia a todas elas.

O relatório interno de outubro identifica a liquefação estática e a erosão interna como as causas mais prováveis de uma falha potencial.

Ainda não se sabe a causa do colapso da barragem em Brumadinho, mas uma autoridade ambiental do Estado disse à Reuters neste mês que todas as evidências apontavam para a liquefação.

A liquefação é um processo pelo qual um material sólido como areia perde força e rigidez e se comporta mais como um líquido. Foi a causa de outro colapso mortal em 2015, que resultou no pior desastre ambiental do Brasil.